segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Abandono e Desemprego

Abandono e Desemprego

Jorge Pinheiro

Professor de Direito

Franci Hounsell

Psicóloga

Todos os dias quando saímos de nossas casas e atravessamos a cidade para a rotina do dia a dia, nos deparamos em cada esquina, em cada meio de quarteirão com as crianças largadas, soltas nas ruas, no mundo. Na maioria das vezes no colo da mãe, acompanhando uma pessoa mais velha, cega, ou com qualquer deformidade. Também as vemos diariamente, cheirando cola, remexendo o lixo, batendo nas janelas dos carros pedindo um trocado ou vendendo balas, nas calçadas pedindo para tomar conta do carro, nos supermercados entre nós e as prateleiras de alimentos, tão próximos das nossas mãos e fora do seu alcance.

As vemos novamente nas portas das escolas, não para entrar naquele local de ensino e aprender, mas vendendo lanches, bombons, biscoitos, refrigerantes e muitas vezes drogas para os nossos filhos.

O que faz nossos filhos diferentes daquelas crianças? O que faz com que o Estado trate nossos filhos diferentes daquelas crianças? Será porque temos emprego, um carro, estudo ou uma conta bancária. Até quando veremos crianças de 8 anos às 4 horas da madrugada tomando conta dos nossos carros, quando deveriam, estar naquele momento dormindo em uma cama confortável, com um lençol limpo, alimentada e segura. Poderiam ser nossos filhos na madrugada, sizinho, na rua e a mercê da marginalidade.

O que nos faz temer aquelas crianças do outro lado do vidro da janela do carro? Até quando teremos medo de encará-las. Será que tememos ouvir o pedido de ajuda? Vamos continuar usando a desculpa que a responsabilidade é do Estado, Prefeitura, do Governo Federal ou da Igreja?

É difícil acreditar que as autoridades competentes não vejam estas cenas todos os dias, que não percebam o número assustador de crianças na rua. Hoje meninos e meninas sem futuro, amanhã com certeza futuros marginais e todos nós como sociedade civil contribuímos para a formação deste marginal, quando não cobramos das autoridades que saiam de suas posições burocráticas e de projetos que não saem do papel e venham para a rua qualquer hora do dia ver o número de crianças que estão soltas ou sendo usadas por seus pais ou responsáveis nas ruas, para pedir, mendigar, roubar, violentar. Quem cobrará destes pais pelo uso de seus filhos na marginalidade?

Até quando teremos que fantasiar a imagem de um salvador da pátria que virá corrigir todas as desigualdades sociais e curar nossas feridas. Quando vamos parar de trancar nossas casas, instalar equipamentos sofisticados de segurança, contratar seguranças para os nossos filhos e tentar isolá-los e nos isolar da realidade.

Na verdade o que nos falta como sociedade é ter coragem de mudar o que está estabelecido e determinar o que é urgentemente prioridade: tirar nossas crianças da rua e da situação de risco, e oferecer a elas condições básicas para um bom desenvolvimento humano, para que mais tarde não venhamos a pagar um preço tão alto de tentar recuperar meninos e meninas, que se tornarão homens e mulheres com quem a sociedade falhou no alicerce de sua formação: educação, saúde, alimentação e o direito de um lar.

O mais interessante disso tudo, é a previsão constitucional que distribui a responsabilidade para com a criança e o adolescente, entre a família, a sociedade e o Estado, colocando a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (art. 227, Constituição Federal/88). Será que há necessidade de uma norma jurídica regulamentadora do dispositivo constitucional? Até quando se aceitará a inércia estatal neste tema?

Além de todos esses problemas, as crianças do nosso interior, particularmente de Abaetetuba, Paragominas e Santarém, trabalham de sol a sol nas marombas, nas carvoarias e nos lixões, com o simples intuito de contribuir para o sustento da família, em virtude do esterno fantasma do desemprego para os seus pais.

O governo federal através do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil do Ministério da Previdência e Assistência Social tentou retirar das atividades penosas, degradantes, insalubres ou perigosas, as crianças que estavam nesse nível de risco. O objetivo era remete-las a um único lugar apropriado e devido, a escola, o que infelizmente não teve o sucesso esperado.

É lamentável que o número de crianças mutiladas nas carvoarias e nas marombas continuam crescendo, conforme a imprensa noticia.

Um outro fato que causa preocupação é a quantidade excessiva de pedintes maiores de 60 anos. Uma rápida relação, com toda certeza irá lembrar o leitor. Quem não conhece aquela senhora robusta que fica na porta do Banco do Brasil, pedindo esmola e as vezes quando passa a mulher grávida, deseja uma boa hora. Conforme notícias do povo, é proprietária de uma vila de casas no bairro do Guamá. E a velhinha bem enrrugada da Av. Presidente Vargas, esquina da Tv. Carlos Gomes. Éramos crianças, e esta senhora já pedia dinheiro, e no mesmo local.

E o velhinho da muleta, fazendo seu rodízio “laboral” nas várias ruas de Belém. O interessante é que até em dia de greve, se vê esta pessoa pedindo esmola, e por incrível que pareça, ao terminar o dia, guarda a sua muleta e sai todo serelepe andando para pegar o seu transporte.

Não temos dúvida nenhuma que o simples ato de dar uma esmola, deixou de ser caridade e se tornou um incentivo para eterna ociosidade, dinheiro este adquirido de uma forma fácil, sem a valorização de um trabalho. A sociedade civil organizada, o Estado e a família devem se unir e realizar programas conjuntos para a retirada imediata de crianças, adolescentes e velhos, em situações de alto risco.

Publicação: “Jornal O Liberal 21 de Junho de 2001. Opinião – Atualidades”.

Defensor da Sociedade

Defensor da Sociedade

Jorge Pinheiro

Normalmente, o Estado do Pará está na mídia de uma forma negativa. Seja pelo massacre de Eldorado dos Carajás, o trabalho escravo de menores, os crimes de encomenda, morte de sindicalistas, e outros assuntos que tentam normalmente denegrir a imagem do nosso Estado.

Entretanto, não podemos deixar de sentir orgulho quando a imprensa divulga algo de bom a nossa terra. A cientista política Maria Teresa Sadeck, da USP e do Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo, em entrevista à Marcos Sá Corrêa, articulista da revista eletrônica NO, publicada neste jornal, revelou sua admiração pelo Ministério Público do Estado do Pará e este foi citado pela pesquisadora pelo menos três vezes.

É inegável que, a Constituição da República de 1988 aumentou as atribuições do Ministério Público, logo, incumbiu-lhe a defesa da ordem jurídica, a defesa do regime democrático e a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Como se pode notar, temos uma ampliação e também uma elasticidade do dominus litis e do custos legis, estas duas atribuições devem ser pensadas na atualidade de um modo lato.

Rui Barbosa dizia que o Ministério Público, na ação da justiça, representa sempre a lei, ante a qual, exclusivamente deve dar contas de seus atos, e na apreciação dos fatos, só ao império da lei se acha subordinado.

De regra, o Ministério Público do Estado do Pará tem cumprido muito bem a sua missão constitucional, principalmente na defesa do meio ambiente, na denúncia dos prefeitos que praticam improbidade administrativa, na defesa do consumidor e na defesa da cidadania, como tão bem citou a professora Maria Teresa Sadeck, os promotores veem participando na resolução dos conflitos de vizinhos e até questões de paternidade, quando vão aos bairros mais carentes de Belém.

A Constituição delegou muita competência ao Ministério Público, porém infelizmente não deu muitas condições para que essas atividades fossem desenvolvidas. Os promotores para conduzirem suas investigações precisam pedir apoio à polícia, e só podem ter acesso às informações sigilosas com a devida autorização de um juiz. Somente com a finalidade de uma rápida comparação, na Alemanha, os promotores podem apreender documentos e bens, interceptar correspondências e ligações telefônicas, podem determinar a infiltração de agentes em quadrilhas e decretar prisões temporárias. Talvez, no Brasil, não fosse possível dar tantos poderes aos membros do parquet, a não ser que também tivéssemos um controle externo a contento, para coibir os abusos e as invasões de privacidade.

Conforme detectado na pesquisa, os atuais membros do Ministério Público são pessoas capazes, altamente motivadas, com muita liberdade de ação, conseqüentemente não havendo hierarquia entre os seus membros, pelo menos a nível teórico.

Os desembargadores oriundos do parquet do estado do Pará, muito tem honrado sua instituição de origem.

O Ministério Público tem autonomia administrativa, funcional e financeira, salvo engano, 3,5% do orçamento estadual é repassado a este órgão. É bom esclarecer que a rigor, o Ministério Público não é delegado nem subordinado ao poder Executivo, logo age com autoridade, em nome da sociedade, da lei e da justiça. Os alunos sempre nos perguntam, como pode o Ministério Público ser independente, se financeiramente depende do repasse do governo estadual? Respondemos que o percentual do repasse está previsto em lei, e caso haja atraso, as medidas judiciais cabíveis devem ser realizadas.

Como disse Calamandrei, entre todas as pessoas que fazem justiça, o papel do Ministério Público é um dos mais difíceis, em virtude de que, quando está na acusação (dominus litis), deve ser tão parcial, quanto o advogado, e enquanto guardião inflexível da lei (custos legis), deve ser tão imparcial, como o juiz.

Apesar dessas prováveis dificuldades psicológicas que passam os membros do Ministério Público, é sem dúvida nenhuma, que hoje em dia, eles são considerados os defensores da sociedade.

Publicação: “Jornal O Liberal 13 de Novembro de 2000. Opinião – Atualidades”.

Exame de Ordem

Exame de Ordem

Jorge Pinheiro

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil instituiu a partir de 1996 o exame de ordem, de caráter obrigatório para os bacharéis em direito, que desejarem exercer a advocacia, logo, cabe esclarecer ao leitor, que uma pessoa ao sair de uma faculdade de Direito, só irá tornar-se advogado, se tiver êxito neste exame e inscrever-se no quadro da Ordem dos Advogados, caso contrário, teremos o exercício ilegal da profissão.

Até onde sabemos, é o único Conselho que exige o exame de ordem. Entendemos que por dois fatores, o primeiro pela proliferação dos cursos de direito no Brasil e o segundo, para se ter uma padronização do mínimo exigido para o exercício profissional.

O leitor talvez não saiba, porém no estado do Pará temos o oferecimento de cursos jurídicos em Belém, Santarém e Marabá. Na capital são oferecidas 650 vagas por ano, distribuídas entre UFPA (250), Unama (300) e Cesupa (100); na Pérola do Tapajós, temos 200 vagas, sendo UFPA (40), FIT (60) e ILES (100) e no sul do estado, a UFPA oferece 40 vagas. Além dessas vagas, temos ainda o ingresso de aproximadamente 150 alunos através do vestibulinho, processo seletivo destinado as pessoas portadoras de outro curso de nível superior e para casos de transferências de instituições de ensino superior, e as outra forma de ingresso é ex officio, ou seja, destinada aos funcionários públicos e seus filhos quando transferidos de uma cidade para outra, totalizando 1040 vagas por ano.

Este enorme contigente para exercer a advocacia deverá realizar duas provas, uma objetiva com 50 questões de múltipla escolha, com quatro opções cada, não podendo consultar os códigos e outras obras, e a outra prova é prático-profissional, acessível somente aos aprovados na prova objetiva. Essa prova é composta de uma redação de peça profissional e 5 questões práticas, podendo ser situações ou problemas.

A prova objetiva compreende 12 disciplinas integrantes dos cursos jurídicos, isto é, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho, Direito Penal, Direito Processual Penal, Direito Tributário, Direito Agrário, Direito Comercial, Estatuto da OAB e Código de Ética.

A prova prático-profissional pode ser realizada nas cinco grandes áreas do Direito, assim compreendidas, áreas Cível, Comercial, Penal, Trabalhista e Administrativo, devendo o candidato escolher uma única área.

Os exames são realizados nos meses de março, agosto e dezembro. Notem que o futuro advogado tem 3 chances para efetuar o exame, a mesma quantidade de festas carnavalescas, o carnaval e as 2 micaretas em Belém.

Temos participado como examinador nas provas de exame de ordem em nosso estado, e recebemos os dados estatísticos dos exames de março/1998 a agosto/2000. Nesse período houve 1832 inscritos, com 1115 aprovados (61%) e 717 reprovados (39%), aparentemente um resultado razoável, porém no último exame, em agosto de 2000, os dados são alarmantes. De 182 inscritos, tivemos 61 aprovados (33,5%) e 121 reprovados (67,5%).

Alguma coisa deve estar errada. Será que os candidatos não se preparam adequadamente? Será que as instituições não exigem dos seus alunos o devido empenho, ainda na graduação? Será que há um excesso de disciplinas no exame? Será que nós professores, deixamos passar nas nossas disciplinas, alunos sem a mínima condição de aprovação? Será que os examinadores são excessivamente rigorosos? Várias são as indagações, e com toda certeza teremos uma infinidade de respostas.

Enquanto examinador, temos exigido dos candidatos na prova prático-profissional exatamente o que diz a norma instituidora do exame de ordem, ou seja, deve ser levado em consideração o raciocínio jurídico, a fundamentação e sua consistência, a capacidade de interpretação e exposição, a correção gramatical e a técnica profissional demonstrada.

No último exame fomos taxados como exagerados cultor do vernáculo. Tivemos o trabalho de pinçar para os eleitores, alguns termos utilizados. Determinado candidato escreveu o seguinte: “o réu seifou a vida da vítima”, o outro colocou “a sentensa deve ser reformada”, um disse que “a vítima tinha emorragia, devido ter sido atinguida pela bala do revolve”, outro falou “o réu assumio o risco e houve o fatídigo resultado”, um escreveu “cessão do júri”, outro afirmou “houve dispesão da multidão, devido os tiros”. Tirando esses “errinhos”, vale a pena citar mais alguns: “eglégio tribunal”, “turma enssandecista”, “jesto repentino”, fora as palavras que levam acento e que foram retiradas pelos candidatos, como por exemplo, “interrogatorio”, “excelencia”, “juri”, “codigo”, e outras tão usuais no dia a dia do advogado.

Não somos fanáticos pela língua portuguesa, entretanto, é nossa obrigação enquanto educador, corrigirmos os erros. Em hipótese alguma, os docentes deveriam deixar passar erros dessa natureza. O correto é o desconto imediato da nota atribuída ao aluno. Como falamos nos bancos escolares, o desconto deve ser tal e qual o imposto de renda, isto é, na fonte. Certo dia, ouvimos de um professor da área tecnológica que cobrava dos seus alunos, a utilização da linguagem correta nos exames escolares, e estes diziam que o engenheiro não precisava saber a língua portuguesa, o que foi prontamente rebatido pelo docente.

Ora, as armas do advogado são a oratória e a escrita, e este são os instrumentos do seu trabalho. Não podemos conceber, que os alunos dos cursos jurídicos não saibam o mínimo da nossa língua. Temos dito em sala de aula, que na dúvida, o aluno deve consultar o dicionário e até incentivamos que as provas, além do código, devem trazê-lo, com o intuito de diminuir ou tirar as dúvidas da língua portuguesa.

Terminamos o artigo com o slogan da gestão 2000/2004 do Centro de Ciências Jurídicas da UFPA, “Educar e aprender, com compromisso, responsabilidade e qualidade”.

Publicação: “Jornal O Liberal 01 de Novembro de 2000. Opinião – Atualidades”.

Eleição e Servidão II

Eleição e Servidão II

Jorge Pinheiro

Professor de Direito

Paloma Godoy,

Graduanda em Direito

Estamos em plena época eleitoral. Mais uma vez decidiremos os rumos do nosso município pelos próximos quatro anos. Para a maioria, assistir propaganda eleitoral gratuita na televisão, duas vezes ao dia, e ter que deslocar-se de sua residência até o local de votação em primeiro de outubro parece um fardo pesado demais. Para esta mesma maioria, as propagandas de conscientização feitas pelo governo federal e veiculadas na televisão, mostrando os membros de uma família cientes do seu papel como cidadãos, parecem até ironia. Afinal, poucas pessoas acreditam que conseguirão encontrar um bom candidato nos dias atuais, que irá, efetivamente, cumprir o seu projeto de governo.

Quando pessoas menos conformadas com a realidade se defrontam com tal quadro social, algumas indagações tornam-se inevitáveis: o poder dos governantes não deveria emanar do povo? As pessoas que elegemos não deveriam utilizar-se do dinheiro de nossos tributos em nosso próprio beneficio? Não é verdade que o Estado existe apenas para assegurar que a vontade da maioria se efetive?

Infelizmente, somos obrigados a admitir que teorias como estas citadas, pertencentes a célebres filósofos jusnaturalistas, como Rousseau, estão definitivamente enterradas. Seria muito mais simples para todos se elas fossem verdadeiras. Todos seríamos cidadãos que, conscientemente, votaríamos em outros cidadãos que nos representariam dignamente em uma assembléia.

Não pretendemos, aqui, fazer nenhuma apologia a Marx, contudo, também somos obrigados a admitir que algumas de suas teorias em relação aos detentores do poder estão corretas e são válidas para nosso momento histórico.

O Estado não é tão perfeito como sempre nos disseram. Ele não assegura que nossas vontades sejam cumpridas, caso contrário não teríamos tanta miséria, tanta violência, tão poucos hospitais e escolas. As pessoas que elegemos utilizam o dinheiro de nossos tributos em beneficio próprio e nós somos informados, dia após dia, de que tantos milhões ou bilhões, que deveriam estar nos cofres públicos, estão em contas de particulares em paraísos fiscais. Por fim, quem é que vai acreditar que o poder dos governantes emana do povo?

O poder dos governantes e o poder do Estado emanam dos detentores do poder econômico, que, na verdade, se confundem com os detentores do poder político. E nós? Nós desligamos a televisão na hora em que começa a propaganda eleitoral gratuita. Afinal, parece que nada do que se passa nesta época eleitoral tem a ver conosco.

Diante deste quadro, só podemos chegar a uma conclusão: somos servos. Somos servos do poder. Consentimos, placidamente, que um diminuto grupo de supostos representantes da vontade geral legislem em nosso nome, cerceem nossa liberdade e controle nossas vidas. E este tipo de servidão – que não deve ser confundida com a servidão existente no modo de produção feudal- não é um fenômeno contemporâneo, há exemplos desta servidão - que é voluntária, pois não há nenhum tipo de força que nos obrigue a servir – permeando toda a historia da humanidade. Aqui, cabe citar o filósofo francês do século XVI, Étienne de La Boétie, que discursando sobre a servidão voluntária, afirmou que os homens abrem mão de sua consciência e de sua liberdade em nome de um governante, na esperança que este lhe proporcione a aquisição de bens.

Não é exatamente isto que vemos atualmente? Escolhemos nossos representantes pensando nos bens e vantagens que poderemos auferir através de seu governo. Jamais pensamos no bem comum. Sendo assim, continuaremos rejeitando a propaganda eleitoral gratuita, continuaremos detestando o incômodo de nos dirigirmos ao local de votação e continuaremos servindo aos donos do poder.

Publicação: “Jornal O Liberal 05 de Setembro de 2000. Opinião – Atualidades”.

Eleição e Servidão I

Eleição e Servidão I

Jorge Pinheiro

Professor de Direito

Ruy Borborema Neto

Graduando em Direito

Em épocas de eleição, depara-se novamente com a obrigação de escolher os indivíduos que irão ocupar os cargos de direção do governo. Obrigação, pois, além da obrigatoriedade do voto, a grande desmoralização da política partidária fez com que o povo progressivamente desacreditasse na capacidade de se resolver problemas institucionalmente.

Os efeitos desse descrédito na “política oficial” têm provocado um deslocamento dessa atividade cada vez mais fora do Estado, concentrando-se no que comumente se chama “política de base”, no plano das associações comunitárias, dos bairros, do trabalho, do cotidiano de cada indivíduo.

A política é um produto de seu momento histórico, estando, portanto, sujeita às mudanças que se fizeram necessárias para assegurar a sua eficiência enquanto instrumento coletivo de decisão. O que muda é a forma como se apresenta a atividade política, e não a atividade em si.

Constantemente escuta-se alguém dizer: “Detesto política!”. Ora, se realmente detesta a política, detesta também a liberdade de se discutir os rumos que a sociedade deve seguir para superar seus problemas, detesta a democracia e a possibilidade de que todos participem do governo, apesar de todas as suas deficiências estruturais, e põe-se cego diante das possibilidades de mudanças.

Os excessos de determinismos como “o Brasil não tem jeito!” tentam incutir na sociedade o mito de que para fazer uso e compartilhar da palavra política é necessário ter um conhecimento técnico, provocando a gênese de uma verdadeira classe de “políticos profissionais” que governam uma outra classe, os servos voluntários. O povo é afastado do governo como se não fosse parte dele, como se o Estado e a sociedade fossem instâncias distintas e intransponíveis. Mas o discurso pregado pela política é racional, podendo, desde que feito com tal intenção, ser entendido por todos. A política pede a pluralidade de propostas para, sobre elas, empreender-se uma discussão, um debate, e chegar a uma decisão.

A decisão política, dessa forma, é vontade da maioria que representa a coletividade de cidadãos. Rousseau, em O Contrato Social, pensara o cidadão como aquele capaz de tomar as decisões necessárias para o bem comum, encarnando-se como seu próprio interesse. Mas a vida prática pede uma relação mais imediata entre as decisões e os benefícios, como analisou Schumpeter.

Há quem participe conscientemente da política, da palavra humana compartilhada contra a servidão humana, como quem se deixa manobrar. Há quem tenha o livre-arbítrio nas decisões de direção, como quem tenha o destino fatal de ser mais um dentre a vastidão de dirigidos. O assistencialismo, o populismo, e outros “ismos” são relações sociais estabelecidas por conjuntos de idéias que procuram reforçar a tão triste servidão voluntária. Triste, pois se trata da própria servidão humana. O homem entrega-se e se deixa ser governado, renunciando o direito de participar do governo.

O perigo, a própria história mostra, quando se permite o surgimento de ideologias aliadas a um modelo de atividade política centralizada e exercida por um Estado forte e dominador. A semelhança entre Ave César, dos romanos, e Heil Hitler, dos nazistas, não é à toa. A atividade política, não importa a forma pela qual se apresente, seja na esfera institucional ou não, deve ser sempre guardada como uma arma do gênero humano contra a sua própria entrega à servidão.

Publicação: “Jornal O Liberal 02 de Setembro de 2000. Opinião – Atualidades”.

Quarto ou Quinto Poder ?

Quarto ou Quinto Poder?

Jorge Pinheiro

Montesquieu ao propor a divisão dos poderes na sua famosa obra O Espírito das Leis, jamais pensou que além da famosa trilogia (executivo, legislativo e judiciário), haveria outros dois poderes que, apesar de não constarem rigorosamente nesta repartição, estariam cada vez mais presentes no seio da sociedade.

Afinal, de que poderes estamos falando? Fizemos uma rápida enquête com 40 pessoas. Quem é o quarto poder no Brasil? A imprensa permeia todos os outros poderes?

O público alvo foi membros das Universidades, do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Administração Direta. A maioria esmagadora considera a imprensa o quarto poder. Sem embargo às pessoas vinculadas ao Ministério Público disseram ser a sua instituição o quarto poder, e uma minoria entendia ser o poder econômico, as organizações Globo e a Ordem dos Advogados do Brasil. O resultado, unânime, foi a importância e a influência da imprensa nos outros poderes.

Perseu Abramo, em um texto maravilhoso intitulado Donos do Mundo e da Verdade, diz que à imprensa tem a capacidade de falar às multidões, de fazer ou desfazer um ministro, um ministério, um presidente e, além do mais, julga-se investida de um legítimo mandato popular outorgado pelos leitores.

Vale a pena reproduzir alguns termos utilizados pelas pessoas que tivemos contato, quando se referiam a imprensa. Falaram que a mídia tem um poder demolidor; é formadora de opinião e sua influência é total; é a opinião publicada; não é poder constituído, porém é um poder paralelo; é a caixa de ressonância das investigações; é positiva e negativa, dependendo da situação.

Será que existe uma disputa entre imprensa e Ministério Público para ver quem seria o quarto poder?

No dizer dos doutos do mundo jurídico, é inegável que o Ministério Público é o quarto poder do Estado. Felipe Daniel Obarrio, jurista argentino, entende que se deve dotar um organismo extra-poder com todos os atributos de um quarto poder e este papel é perfeitamente realizado pelo Ministério Público. No mesmo entendimento, Fernando Tourinho Filho, um dos maiores Processualista Penalista do Brasil.

Com a nova roupagem de atribuições outorgada pela Constituição Cidadã ao Ministério Público, este passou a se empenhar nas investigações, tarefas estas anteriormente executadas, exclusivamente pelo órgão policial.

É indubitável que, com o caráter investigativo do Ministério Público, deveria haver uma caixa de ressonância, e a repercussão é muito bem realizada pela imprensa, logo, em momento algum imprensa e Ministério Público estão concorrendo para o podium do quarto lugar na estrutura do poder.

A voz do povo já nomeou a imprensa como o quarto poder, apesar da doutrina, como não poderia deixar de ser, em virtude da rigidez do estudo científico entender que o lugar cabe ao Ministério Público.

A grande verdade é que imprensa e Ministério Público se fazem presente, devido a ausência do poder constituído. É lógico, se o poder constituído não se faz presente, vem outro e toma o seu lugar. Um exemplo típico é o trafico de drogas nos morros do Rio de Janeiro, onde os traficantes cuidam do abastecimento de água, das escolas, dos empregados e, logicamente, a população dos morros aceita e protege os traficantes.

Não se pode negar que imprensa e Ministério Público muitas vezes tomam o lugar do Poder Legislativo, e este perde o seu espaço principalmente nas investigações. O Legislativo tem uma excelente arma, a Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI, que tem um grande poder de fogo no que se refere à averiguação. Mesmo a fiscalização ao Executivo, ato inerente ao poder Legislativo, faz-se de uma forma incipiente, dando o espaço que é preenchido pelo Ministério Público.

Atualmente, vê-se nos corredores suntuosos do Ministério Público a presença do povo, querendo saber dos seus direitos e, na maioria das vezes, levando fatos relevantes para serem apurados. A imprensa, ao divulgar o descaso das autoridades para com determinadas situações, está exercendo o papel de tribuno, conferido pela população menos favorecida.

No nosso entender, Ministério Público e imprensa, sem perceberem, intregam-se e se interagem, simplesmente porque um busca os fatos denunciados pelo povo, e o outro divulga estes fatos. E, logicamente, também os resultados obtidos pelo Ministério Público, provocando uma resposta imediata da sociedade.

Publicação: “Jornal O Liberal 10 de Agosto de 2000. Opinião – Atualidades”.

Responsabilidade Médica

Responsabilidade Médica

Jorge Pinheiro

Professor de Direito

Paloma Godoy,

Graduanda em Direito

Vivemos em uma época em que a relação médico-paciente não envolve tanta proximidade, como outrora, quando cada família tinha seu médico de confiança. Atualmente, procuramos um especialista para tratarmos de um certo problema de saúde e, raramente, retornamos ao seu consultório depois de estarmos com a saúde restabelecida. Além desta hodierna distância na relação médico-paciente, observamos uma massificação de certos procedimentos médico-cirúrgicos como, verbi gratia, as cirurgias estéticas, as cirurgias de miopia e antigamente as cirurgias de amígdalas.

O distanciamento do médico em relação a seus pacientes, a massificação de procedimentos, o grande número de atendimentos realizados diariamente e o mau aparelhamento de certas clínicas, entre outros motivos, têm ocasionado erros médicos.

Na lição de Edmundo Oliveira, o médico exerce hoje um poder quase ilimitado em matéria terapêutica, mas a esse desenvolvimento corresponde um acréscimo relevante de suas responsabilidades jurídicas e deontológicas, com especial observância ao cumprimento do dever conscientemente desempenhado.

O Código Penal e o Código de Defesa do Consumidor prevêem punições para os profissionais liberais que cometem um crime culposo, ou seja, atingira o resultado fatídico através da imprudência, imperícia ou negligência.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, § 4°, diz que a responsabilidade dos profissionais liberais, como é o caso do médico, será apurada mediante a verificação de culpa, conseqüentemente estamos diante da responsabilidade subjetiva.

Ada Pellegrini Grinover, defende a posição do Código de Defesa do Consumidor e, diz que os profissionais liberais somente serão responsabilizados por qualquer dano, quando ficar demonstrado a ocorrência de culpa subjetiva, em quaisquer de suas modalidades. Entretanto, existe uma corrente doutrinária que, defende a responsabilidade objetiva dos profissionais, sendo seu maior baluarte Paulo Luiz Netto Lobo.

De acordo com a lei, o médico só pode ser responsabilizado se ficar provado que agiu com negligência, imprudência ou imperícia. Ainda que esteja acompanhado de outros médicos e que tenha delegado parte de seus serviços a estes especialistas, o médico responsabilizado pela eventual falha, será aquele a quem o paciente pertence e, conseqüentemente, a quem o paciente confiou sua vida.

Todavia, acreditamos que cerne do debate e da preocupação geral da população, frente a este assunto, não gira em torno de como o médico que cometeu o erro será punido, a questão que preocupa a todos é consciência e o preparo dos profissionais da área médica que lidam, diariamente, com o primeiro dos direitos invioláveis, assegurado pela Carta Magna, no caput de seu artigo 5°: a vida.

Sem embargo, consta do currículo do curso de medicina a disciplina deontologia médica, na qual é ministrada ao aluno noções de ética. E, é sobre a ética médica que todas as preocupações se voltam.

Um médico que não informa ao paciente os riscos e as eventuais complicações dos procedimentos os quais ele está se submetendo, é ético? Um médico que não utiliza os equipamentos e materiais necessários durante uma cirurgia, está zelando pela vida de seu paciente?

Os profissionais da área médica têm que estar conscientes de que os pacientes são, em sua maioria, leigos que entregam sua vida e sua saúde nas suas mãos, confiantes na cura de seus males e na melhora de sua qualidade de vida.

Principalmente, os especialistas em cirurgia estética, nos dias atuais, têm que estar ainda mais conscientes de suas responsabilidades, pois há uma efetiva massificação deste tipo de procedimento cirúrgico e muitos pacientes procuram-nos na esperança de que uma cirurgia possa operar verdadeiros milagres em seu corpo, além de não terem o conhecimento de que este procedimento inclui riscos. O médico, neste caso, deve redobrar sua cautela ao expor ao paciente, qual o possível resultado e quais as eventuais complicações do procedimento.

Finalmente, os médicos devem estar cientes de que sua profissão é singular, pois convivem com a fina linha que separa a vida e a morte de seus pacientes; portanto, devem primar pela segurança e integridade física dos mesmos. Após um erro fatal ou que deixará seqüelas perpétuas, não há indenização que compense a vida e a saúde de um ser humano.

Publicação: “Jornal O Liberal 23 de Agosto de 2000. Opinião – Atualidades”.