segunda-feira, 19 de novembro de 2007

(In) Tolerância Zero

(In) Tolerância Zero

Jorge Pinheiro

Professor de Direito

Libio Araújo Moura

Bacharel em Direito

Mais uma rebelião nos presídios de São Paulo. Motins nas seccionais urbanas do nosso Estado. O assassinato de taxistas em tentativas frustadas de subtração. Tais condutas rotineiras de violência nacional são o suficiente para que se ouça ecoar o grito das “pessoas de bem” clamando por Justiça, indagando ao Poder Judiciário resposta acerca das prestações jurisdicionais, e fazendo ressurgir a velha discussão sobre a ineficácia das normas penais vigentes, sobretudo em relação a sanção em abstrato por elas impostas.

Antes que se edite leis comparáveis que regulamentou os crimes hediondos e assemelhados (Lei n° 8.072/90), cominando penas superiores a trinta anos para autores de delitos que provoquem clamor público ou estardalhaço na imprensa, é necessário que a comunidade jurídica se manifeste, visando evitar novas aberrações legais, como as que constantemente aparecem no arcabouço legislativo nacional.

Sem dúvida alguma, não pode ser objeto de indulgência ou pouco caso as condutas acima referidas, permeadas de intensa violência. A questão merece reprimenda célere, forma de assegurar a credibilidade popular na resposta estatal aos conflitos.

Todavia, incumbir apenas ao Direito Repressivo a missão de se acabar com a violência dos grandes centros, renovando o estoque bárbaro de leis pessimamente formuladas e inócuas, é um remédio, no mínimo, com efeito de retardar a cura da doença, para esperar o momento do exaspero.

Não devemos permitir que paises do chamado primeiro mundo, importem ciência jurídica e os nossos operadores do Direito aceitem pacificamente, como se fosse uma verdade única e facilmente aplicada em nosso país. Ledo engano a simples transposição : primeiro, porque a realidade concreta é completamente distinta, mesmo não sendo as carências sociais todas satisfeitas ali, o ideal cultural difere. São nações que acreditam em si, e importam, para empolgamos como nós, o modo de vida que construíram pautados em suas necessidades. Em segundo lugar, porque nessas sociedades capitalistas – de império – qualquer ameaça aos bens materiais é refutada com grande desrespeito às normas supralegais, às garantias básicas dos cidadãos. Essas comunidades adotam a famigerada doutrina da tolerância zero, com base na teoria da lei e da ordem, onde a sociedade é dividida entre mocinhos e bandidos, e as estes toda repulsa será destinada.

Atualmente, o posicionamento que alguns segmentos da sociedade brasileira vem manifestando, através dos meios de comunicação de um modo geral, com autoridades criticando os índices de violência, taxando de benevolentes as leis que responsabilizam menores por atos infracionais, e cobrando mais apenamento aos criminosos imputáveis, nada mais é do que a aceitação do modelo enlatado da (in) torelância zero.

É preciso prudência ao encontra culpados para o desajuste social tão depressa, como se faz aqui. O movimento da lei e da ordem falha, e, principalmente, falha no Brasil, pois não precisamos encarcerar famintos, ou até matá-los, para que desapareçam os problemas, como se quiséssemos jogar a poeira pra debaixo do tapete. Não adianta...! e a maior cidade da América Latina comprovou a assertiva com suas rebeliões orquestradas nas vinte e nove casas penais. Ademais, o larápio rastaqüera, como o malandro de Bertolt Brecht, não é o único culpado pela situação (duplamente parafraseando Chico Buarque).

Urge que façamos uma reforma de baixo para cima nas instituições, e especialmente, na mentalidade das pessoas, que, sem base alguma, formam a opinião massificada. O Direito Penal no mundo atravessa uma fase de abolicionismo de condutas criminosas ínfimas, ou em que a sanção não demonstra resultado, em razão da solução ser diversa. Não podemos, mais uma vez, como estamos ao longo de nossa formação, andar na contramão da História.

Além disso, a ciência jurídica não pode estar a mercê das classes dominantes, estas sim, autoras de delitos em silêncio, das grandes subtrações da economia pública, mas que não agridem de maneira frontal as vítimas, como o fazem os novos bárbaros das favelas, dos subúrbios. Sempre interessou às elites a máxima do Direito de “dar a cada um o que é seu”, e assim, dão ao pobre a probeza, ao miserável a miséria.

A proliferação da torelância zero no sistema político-criminal brasileiro, somente somará na derrocada final de qualquer tentativa de sucesso no combate aos delitos. Impressiona, nessa ascensão, o papel de antítese que a imprensa nacional exerce, como já nos referimos. Manchetes sensacionalistas, discussões sobre a menoridade penal, diálogos em novelas (“pôxa, como o Rio está violento..”), entre outros, criam o ambiente perfeito para o chamado “processo social de idiotização”, onde repetimos frases feitas, chavões que interessam a poucos.

O saudoso professor Aloysio Biondi, destacou com precisão, em seu último artigo jornalístico, a função devastadora da imprensa, sobretudo no governo de Fernando Henrique Cardoso, com a manipulação de notícias em todos os setores: “A falta de ética chegou a tal ponto, que se chega a inverter completamente a informação, para enganar o público”.

É mais do que nunca, momento de ecoar as vozes daqueles que defendem a aplicação comedida a garantista do Direito Repressor, e combatem qualquer forma de leviandade feita às pressas e de encomenda.

A lição sabemos de cor, só nos resta aprender.

Publicação: “Jornal O Liberal 15 de Março de 2001. Opinião – Atualidades”.

Nenhum comentário: