segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Abandono e Desemprego

Abandono e Desemprego

Jorge Pinheiro

Professor de Direito

Franci Hounsell

Psicóloga

Todos os dias quando saímos de nossas casas e atravessamos a cidade para a rotina do dia a dia, nos deparamos em cada esquina, em cada meio de quarteirão com as crianças largadas, soltas nas ruas, no mundo. Na maioria das vezes no colo da mãe, acompanhando uma pessoa mais velha, cega, ou com qualquer deformidade. Também as vemos diariamente, cheirando cola, remexendo o lixo, batendo nas janelas dos carros pedindo um trocado ou vendendo balas, nas calçadas pedindo para tomar conta do carro, nos supermercados entre nós e as prateleiras de alimentos, tão próximos das nossas mãos e fora do seu alcance.

As vemos novamente nas portas das escolas, não para entrar naquele local de ensino e aprender, mas vendendo lanches, bombons, biscoitos, refrigerantes e muitas vezes drogas para os nossos filhos.

O que faz nossos filhos diferentes daquelas crianças? O que faz com que o Estado trate nossos filhos diferentes daquelas crianças? Será porque temos emprego, um carro, estudo ou uma conta bancária. Até quando veremos crianças de 8 anos às 4 horas da madrugada tomando conta dos nossos carros, quando deveriam, estar naquele momento dormindo em uma cama confortável, com um lençol limpo, alimentada e segura. Poderiam ser nossos filhos na madrugada, sizinho, na rua e a mercê da marginalidade.

O que nos faz temer aquelas crianças do outro lado do vidro da janela do carro? Até quando teremos medo de encará-las. Será que tememos ouvir o pedido de ajuda? Vamos continuar usando a desculpa que a responsabilidade é do Estado, Prefeitura, do Governo Federal ou da Igreja?

É difícil acreditar que as autoridades competentes não vejam estas cenas todos os dias, que não percebam o número assustador de crianças na rua. Hoje meninos e meninas sem futuro, amanhã com certeza futuros marginais e todos nós como sociedade civil contribuímos para a formação deste marginal, quando não cobramos das autoridades que saiam de suas posições burocráticas e de projetos que não saem do papel e venham para a rua qualquer hora do dia ver o número de crianças que estão soltas ou sendo usadas por seus pais ou responsáveis nas ruas, para pedir, mendigar, roubar, violentar. Quem cobrará destes pais pelo uso de seus filhos na marginalidade?

Até quando teremos que fantasiar a imagem de um salvador da pátria que virá corrigir todas as desigualdades sociais e curar nossas feridas. Quando vamos parar de trancar nossas casas, instalar equipamentos sofisticados de segurança, contratar seguranças para os nossos filhos e tentar isolá-los e nos isolar da realidade.

Na verdade o que nos falta como sociedade é ter coragem de mudar o que está estabelecido e determinar o que é urgentemente prioridade: tirar nossas crianças da rua e da situação de risco, e oferecer a elas condições básicas para um bom desenvolvimento humano, para que mais tarde não venhamos a pagar um preço tão alto de tentar recuperar meninos e meninas, que se tornarão homens e mulheres com quem a sociedade falhou no alicerce de sua formação: educação, saúde, alimentação e o direito de um lar.

O mais interessante disso tudo, é a previsão constitucional que distribui a responsabilidade para com a criança e o adolescente, entre a família, a sociedade e o Estado, colocando a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (art. 227, Constituição Federal/88). Será que há necessidade de uma norma jurídica regulamentadora do dispositivo constitucional? Até quando se aceitará a inércia estatal neste tema?

Além de todos esses problemas, as crianças do nosso interior, particularmente de Abaetetuba, Paragominas e Santarém, trabalham de sol a sol nas marombas, nas carvoarias e nos lixões, com o simples intuito de contribuir para o sustento da família, em virtude do esterno fantasma do desemprego para os seus pais.

O governo federal através do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil do Ministério da Previdência e Assistência Social tentou retirar das atividades penosas, degradantes, insalubres ou perigosas, as crianças que estavam nesse nível de risco. O objetivo era remete-las a um único lugar apropriado e devido, a escola, o que infelizmente não teve o sucesso esperado.

É lamentável que o número de crianças mutiladas nas carvoarias e nas marombas continuam crescendo, conforme a imprensa noticia.

Um outro fato que causa preocupação é a quantidade excessiva de pedintes maiores de 60 anos. Uma rápida relação, com toda certeza irá lembrar o leitor. Quem não conhece aquela senhora robusta que fica na porta do Banco do Brasil, pedindo esmola e as vezes quando passa a mulher grávida, deseja uma boa hora. Conforme notícias do povo, é proprietária de uma vila de casas no bairro do Guamá. E a velhinha bem enrrugada da Av. Presidente Vargas, esquina da Tv. Carlos Gomes. Éramos crianças, e esta senhora já pedia dinheiro, e no mesmo local.

E o velhinho da muleta, fazendo seu rodízio “laboral” nas várias ruas de Belém. O interessante é que até em dia de greve, se vê esta pessoa pedindo esmola, e por incrível que pareça, ao terminar o dia, guarda a sua muleta e sai todo serelepe andando para pegar o seu transporte.

Não temos dúvida nenhuma que o simples ato de dar uma esmola, deixou de ser caridade e se tornou um incentivo para eterna ociosidade, dinheiro este adquirido de uma forma fácil, sem a valorização de um trabalho. A sociedade civil organizada, o Estado e a família devem se unir e realizar programas conjuntos para a retirada imediata de crianças, adolescentes e velhos, em situações de alto risco.

Publicação: “Jornal O Liberal 21 de Junho de 2001. Opinião – Atualidades”.

Defensor da Sociedade

Defensor da Sociedade

Jorge Pinheiro

Normalmente, o Estado do Pará está na mídia de uma forma negativa. Seja pelo massacre de Eldorado dos Carajás, o trabalho escravo de menores, os crimes de encomenda, morte de sindicalistas, e outros assuntos que tentam normalmente denegrir a imagem do nosso Estado.

Entretanto, não podemos deixar de sentir orgulho quando a imprensa divulga algo de bom a nossa terra. A cientista política Maria Teresa Sadeck, da USP e do Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo, em entrevista à Marcos Sá Corrêa, articulista da revista eletrônica NO, publicada neste jornal, revelou sua admiração pelo Ministério Público do Estado do Pará e este foi citado pela pesquisadora pelo menos três vezes.

É inegável que, a Constituição da República de 1988 aumentou as atribuições do Ministério Público, logo, incumbiu-lhe a defesa da ordem jurídica, a defesa do regime democrático e a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Como se pode notar, temos uma ampliação e também uma elasticidade do dominus litis e do custos legis, estas duas atribuições devem ser pensadas na atualidade de um modo lato.

Rui Barbosa dizia que o Ministério Público, na ação da justiça, representa sempre a lei, ante a qual, exclusivamente deve dar contas de seus atos, e na apreciação dos fatos, só ao império da lei se acha subordinado.

De regra, o Ministério Público do Estado do Pará tem cumprido muito bem a sua missão constitucional, principalmente na defesa do meio ambiente, na denúncia dos prefeitos que praticam improbidade administrativa, na defesa do consumidor e na defesa da cidadania, como tão bem citou a professora Maria Teresa Sadeck, os promotores veem participando na resolução dos conflitos de vizinhos e até questões de paternidade, quando vão aos bairros mais carentes de Belém.

A Constituição delegou muita competência ao Ministério Público, porém infelizmente não deu muitas condições para que essas atividades fossem desenvolvidas. Os promotores para conduzirem suas investigações precisam pedir apoio à polícia, e só podem ter acesso às informações sigilosas com a devida autorização de um juiz. Somente com a finalidade de uma rápida comparação, na Alemanha, os promotores podem apreender documentos e bens, interceptar correspondências e ligações telefônicas, podem determinar a infiltração de agentes em quadrilhas e decretar prisões temporárias. Talvez, no Brasil, não fosse possível dar tantos poderes aos membros do parquet, a não ser que também tivéssemos um controle externo a contento, para coibir os abusos e as invasões de privacidade.

Conforme detectado na pesquisa, os atuais membros do Ministério Público são pessoas capazes, altamente motivadas, com muita liberdade de ação, conseqüentemente não havendo hierarquia entre os seus membros, pelo menos a nível teórico.

Os desembargadores oriundos do parquet do estado do Pará, muito tem honrado sua instituição de origem.

O Ministério Público tem autonomia administrativa, funcional e financeira, salvo engano, 3,5% do orçamento estadual é repassado a este órgão. É bom esclarecer que a rigor, o Ministério Público não é delegado nem subordinado ao poder Executivo, logo age com autoridade, em nome da sociedade, da lei e da justiça. Os alunos sempre nos perguntam, como pode o Ministério Público ser independente, se financeiramente depende do repasse do governo estadual? Respondemos que o percentual do repasse está previsto em lei, e caso haja atraso, as medidas judiciais cabíveis devem ser realizadas.

Como disse Calamandrei, entre todas as pessoas que fazem justiça, o papel do Ministério Público é um dos mais difíceis, em virtude de que, quando está na acusação (dominus litis), deve ser tão parcial, quanto o advogado, e enquanto guardião inflexível da lei (custos legis), deve ser tão imparcial, como o juiz.

Apesar dessas prováveis dificuldades psicológicas que passam os membros do Ministério Público, é sem dúvida nenhuma, que hoje em dia, eles são considerados os defensores da sociedade.

Publicação: “Jornal O Liberal 13 de Novembro de 2000. Opinião – Atualidades”.

Exame de Ordem

Exame de Ordem

Jorge Pinheiro

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil instituiu a partir de 1996 o exame de ordem, de caráter obrigatório para os bacharéis em direito, que desejarem exercer a advocacia, logo, cabe esclarecer ao leitor, que uma pessoa ao sair de uma faculdade de Direito, só irá tornar-se advogado, se tiver êxito neste exame e inscrever-se no quadro da Ordem dos Advogados, caso contrário, teremos o exercício ilegal da profissão.

Até onde sabemos, é o único Conselho que exige o exame de ordem. Entendemos que por dois fatores, o primeiro pela proliferação dos cursos de direito no Brasil e o segundo, para se ter uma padronização do mínimo exigido para o exercício profissional.

O leitor talvez não saiba, porém no estado do Pará temos o oferecimento de cursos jurídicos em Belém, Santarém e Marabá. Na capital são oferecidas 650 vagas por ano, distribuídas entre UFPA (250), Unama (300) e Cesupa (100); na Pérola do Tapajós, temos 200 vagas, sendo UFPA (40), FIT (60) e ILES (100) e no sul do estado, a UFPA oferece 40 vagas. Além dessas vagas, temos ainda o ingresso de aproximadamente 150 alunos através do vestibulinho, processo seletivo destinado as pessoas portadoras de outro curso de nível superior e para casos de transferências de instituições de ensino superior, e as outra forma de ingresso é ex officio, ou seja, destinada aos funcionários públicos e seus filhos quando transferidos de uma cidade para outra, totalizando 1040 vagas por ano.

Este enorme contigente para exercer a advocacia deverá realizar duas provas, uma objetiva com 50 questões de múltipla escolha, com quatro opções cada, não podendo consultar os códigos e outras obras, e a outra prova é prático-profissional, acessível somente aos aprovados na prova objetiva. Essa prova é composta de uma redação de peça profissional e 5 questões práticas, podendo ser situações ou problemas.

A prova objetiva compreende 12 disciplinas integrantes dos cursos jurídicos, isto é, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho, Direito Penal, Direito Processual Penal, Direito Tributário, Direito Agrário, Direito Comercial, Estatuto da OAB e Código de Ética.

A prova prático-profissional pode ser realizada nas cinco grandes áreas do Direito, assim compreendidas, áreas Cível, Comercial, Penal, Trabalhista e Administrativo, devendo o candidato escolher uma única área.

Os exames são realizados nos meses de março, agosto e dezembro. Notem que o futuro advogado tem 3 chances para efetuar o exame, a mesma quantidade de festas carnavalescas, o carnaval e as 2 micaretas em Belém.

Temos participado como examinador nas provas de exame de ordem em nosso estado, e recebemos os dados estatísticos dos exames de março/1998 a agosto/2000. Nesse período houve 1832 inscritos, com 1115 aprovados (61%) e 717 reprovados (39%), aparentemente um resultado razoável, porém no último exame, em agosto de 2000, os dados são alarmantes. De 182 inscritos, tivemos 61 aprovados (33,5%) e 121 reprovados (67,5%).

Alguma coisa deve estar errada. Será que os candidatos não se preparam adequadamente? Será que as instituições não exigem dos seus alunos o devido empenho, ainda na graduação? Será que há um excesso de disciplinas no exame? Será que nós professores, deixamos passar nas nossas disciplinas, alunos sem a mínima condição de aprovação? Será que os examinadores são excessivamente rigorosos? Várias são as indagações, e com toda certeza teremos uma infinidade de respostas.

Enquanto examinador, temos exigido dos candidatos na prova prático-profissional exatamente o que diz a norma instituidora do exame de ordem, ou seja, deve ser levado em consideração o raciocínio jurídico, a fundamentação e sua consistência, a capacidade de interpretação e exposição, a correção gramatical e a técnica profissional demonstrada.

No último exame fomos taxados como exagerados cultor do vernáculo. Tivemos o trabalho de pinçar para os eleitores, alguns termos utilizados. Determinado candidato escreveu o seguinte: “o réu seifou a vida da vítima”, o outro colocou “a sentensa deve ser reformada”, um disse que “a vítima tinha emorragia, devido ter sido atinguida pela bala do revolve”, outro falou “o réu assumio o risco e houve o fatídigo resultado”, um escreveu “cessão do júri”, outro afirmou “houve dispesão da multidão, devido os tiros”. Tirando esses “errinhos”, vale a pena citar mais alguns: “eglégio tribunal”, “turma enssandecista”, “jesto repentino”, fora as palavras que levam acento e que foram retiradas pelos candidatos, como por exemplo, “interrogatorio”, “excelencia”, “juri”, “codigo”, e outras tão usuais no dia a dia do advogado.

Não somos fanáticos pela língua portuguesa, entretanto, é nossa obrigação enquanto educador, corrigirmos os erros. Em hipótese alguma, os docentes deveriam deixar passar erros dessa natureza. O correto é o desconto imediato da nota atribuída ao aluno. Como falamos nos bancos escolares, o desconto deve ser tal e qual o imposto de renda, isto é, na fonte. Certo dia, ouvimos de um professor da área tecnológica que cobrava dos seus alunos, a utilização da linguagem correta nos exames escolares, e estes diziam que o engenheiro não precisava saber a língua portuguesa, o que foi prontamente rebatido pelo docente.

Ora, as armas do advogado são a oratória e a escrita, e este são os instrumentos do seu trabalho. Não podemos conceber, que os alunos dos cursos jurídicos não saibam o mínimo da nossa língua. Temos dito em sala de aula, que na dúvida, o aluno deve consultar o dicionário e até incentivamos que as provas, além do código, devem trazê-lo, com o intuito de diminuir ou tirar as dúvidas da língua portuguesa.

Terminamos o artigo com o slogan da gestão 2000/2004 do Centro de Ciências Jurídicas da UFPA, “Educar e aprender, com compromisso, responsabilidade e qualidade”.

Publicação: “Jornal O Liberal 01 de Novembro de 2000. Opinião – Atualidades”.

Eleição e Servidão II

Eleição e Servidão II

Jorge Pinheiro

Professor de Direito

Paloma Godoy,

Graduanda em Direito

Estamos em plena época eleitoral. Mais uma vez decidiremos os rumos do nosso município pelos próximos quatro anos. Para a maioria, assistir propaganda eleitoral gratuita na televisão, duas vezes ao dia, e ter que deslocar-se de sua residência até o local de votação em primeiro de outubro parece um fardo pesado demais. Para esta mesma maioria, as propagandas de conscientização feitas pelo governo federal e veiculadas na televisão, mostrando os membros de uma família cientes do seu papel como cidadãos, parecem até ironia. Afinal, poucas pessoas acreditam que conseguirão encontrar um bom candidato nos dias atuais, que irá, efetivamente, cumprir o seu projeto de governo.

Quando pessoas menos conformadas com a realidade se defrontam com tal quadro social, algumas indagações tornam-se inevitáveis: o poder dos governantes não deveria emanar do povo? As pessoas que elegemos não deveriam utilizar-se do dinheiro de nossos tributos em nosso próprio beneficio? Não é verdade que o Estado existe apenas para assegurar que a vontade da maioria se efetive?

Infelizmente, somos obrigados a admitir que teorias como estas citadas, pertencentes a célebres filósofos jusnaturalistas, como Rousseau, estão definitivamente enterradas. Seria muito mais simples para todos se elas fossem verdadeiras. Todos seríamos cidadãos que, conscientemente, votaríamos em outros cidadãos que nos representariam dignamente em uma assembléia.

Não pretendemos, aqui, fazer nenhuma apologia a Marx, contudo, também somos obrigados a admitir que algumas de suas teorias em relação aos detentores do poder estão corretas e são válidas para nosso momento histórico.

O Estado não é tão perfeito como sempre nos disseram. Ele não assegura que nossas vontades sejam cumpridas, caso contrário não teríamos tanta miséria, tanta violência, tão poucos hospitais e escolas. As pessoas que elegemos utilizam o dinheiro de nossos tributos em beneficio próprio e nós somos informados, dia após dia, de que tantos milhões ou bilhões, que deveriam estar nos cofres públicos, estão em contas de particulares em paraísos fiscais. Por fim, quem é que vai acreditar que o poder dos governantes emana do povo?

O poder dos governantes e o poder do Estado emanam dos detentores do poder econômico, que, na verdade, se confundem com os detentores do poder político. E nós? Nós desligamos a televisão na hora em que começa a propaganda eleitoral gratuita. Afinal, parece que nada do que se passa nesta época eleitoral tem a ver conosco.

Diante deste quadro, só podemos chegar a uma conclusão: somos servos. Somos servos do poder. Consentimos, placidamente, que um diminuto grupo de supostos representantes da vontade geral legislem em nosso nome, cerceem nossa liberdade e controle nossas vidas. E este tipo de servidão – que não deve ser confundida com a servidão existente no modo de produção feudal- não é um fenômeno contemporâneo, há exemplos desta servidão - que é voluntária, pois não há nenhum tipo de força que nos obrigue a servir – permeando toda a historia da humanidade. Aqui, cabe citar o filósofo francês do século XVI, Étienne de La Boétie, que discursando sobre a servidão voluntária, afirmou que os homens abrem mão de sua consciência e de sua liberdade em nome de um governante, na esperança que este lhe proporcione a aquisição de bens.

Não é exatamente isto que vemos atualmente? Escolhemos nossos representantes pensando nos bens e vantagens que poderemos auferir através de seu governo. Jamais pensamos no bem comum. Sendo assim, continuaremos rejeitando a propaganda eleitoral gratuita, continuaremos detestando o incômodo de nos dirigirmos ao local de votação e continuaremos servindo aos donos do poder.

Publicação: “Jornal O Liberal 05 de Setembro de 2000. Opinião – Atualidades”.

Eleição e Servidão I

Eleição e Servidão I

Jorge Pinheiro

Professor de Direito

Ruy Borborema Neto

Graduando em Direito

Em épocas de eleição, depara-se novamente com a obrigação de escolher os indivíduos que irão ocupar os cargos de direção do governo. Obrigação, pois, além da obrigatoriedade do voto, a grande desmoralização da política partidária fez com que o povo progressivamente desacreditasse na capacidade de se resolver problemas institucionalmente.

Os efeitos desse descrédito na “política oficial” têm provocado um deslocamento dessa atividade cada vez mais fora do Estado, concentrando-se no que comumente se chama “política de base”, no plano das associações comunitárias, dos bairros, do trabalho, do cotidiano de cada indivíduo.

A política é um produto de seu momento histórico, estando, portanto, sujeita às mudanças que se fizeram necessárias para assegurar a sua eficiência enquanto instrumento coletivo de decisão. O que muda é a forma como se apresenta a atividade política, e não a atividade em si.

Constantemente escuta-se alguém dizer: “Detesto política!”. Ora, se realmente detesta a política, detesta também a liberdade de se discutir os rumos que a sociedade deve seguir para superar seus problemas, detesta a democracia e a possibilidade de que todos participem do governo, apesar de todas as suas deficiências estruturais, e põe-se cego diante das possibilidades de mudanças.

Os excessos de determinismos como “o Brasil não tem jeito!” tentam incutir na sociedade o mito de que para fazer uso e compartilhar da palavra política é necessário ter um conhecimento técnico, provocando a gênese de uma verdadeira classe de “políticos profissionais” que governam uma outra classe, os servos voluntários. O povo é afastado do governo como se não fosse parte dele, como se o Estado e a sociedade fossem instâncias distintas e intransponíveis. Mas o discurso pregado pela política é racional, podendo, desde que feito com tal intenção, ser entendido por todos. A política pede a pluralidade de propostas para, sobre elas, empreender-se uma discussão, um debate, e chegar a uma decisão.

A decisão política, dessa forma, é vontade da maioria que representa a coletividade de cidadãos. Rousseau, em O Contrato Social, pensara o cidadão como aquele capaz de tomar as decisões necessárias para o bem comum, encarnando-se como seu próprio interesse. Mas a vida prática pede uma relação mais imediata entre as decisões e os benefícios, como analisou Schumpeter.

Há quem participe conscientemente da política, da palavra humana compartilhada contra a servidão humana, como quem se deixa manobrar. Há quem tenha o livre-arbítrio nas decisões de direção, como quem tenha o destino fatal de ser mais um dentre a vastidão de dirigidos. O assistencialismo, o populismo, e outros “ismos” são relações sociais estabelecidas por conjuntos de idéias que procuram reforçar a tão triste servidão voluntária. Triste, pois se trata da própria servidão humana. O homem entrega-se e se deixa ser governado, renunciando o direito de participar do governo.

O perigo, a própria história mostra, quando se permite o surgimento de ideologias aliadas a um modelo de atividade política centralizada e exercida por um Estado forte e dominador. A semelhança entre Ave César, dos romanos, e Heil Hitler, dos nazistas, não é à toa. A atividade política, não importa a forma pela qual se apresente, seja na esfera institucional ou não, deve ser sempre guardada como uma arma do gênero humano contra a sua própria entrega à servidão.

Publicação: “Jornal O Liberal 02 de Setembro de 2000. Opinião – Atualidades”.

Quarto ou Quinto Poder ?

Quarto ou Quinto Poder?

Jorge Pinheiro

Montesquieu ao propor a divisão dos poderes na sua famosa obra O Espírito das Leis, jamais pensou que além da famosa trilogia (executivo, legislativo e judiciário), haveria outros dois poderes que, apesar de não constarem rigorosamente nesta repartição, estariam cada vez mais presentes no seio da sociedade.

Afinal, de que poderes estamos falando? Fizemos uma rápida enquête com 40 pessoas. Quem é o quarto poder no Brasil? A imprensa permeia todos os outros poderes?

O público alvo foi membros das Universidades, do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Administração Direta. A maioria esmagadora considera a imprensa o quarto poder. Sem embargo às pessoas vinculadas ao Ministério Público disseram ser a sua instituição o quarto poder, e uma minoria entendia ser o poder econômico, as organizações Globo e a Ordem dos Advogados do Brasil. O resultado, unânime, foi a importância e a influência da imprensa nos outros poderes.

Perseu Abramo, em um texto maravilhoso intitulado Donos do Mundo e da Verdade, diz que à imprensa tem a capacidade de falar às multidões, de fazer ou desfazer um ministro, um ministério, um presidente e, além do mais, julga-se investida de um legítimo mandato popular outorgado pelos leitores.

Vale a pena reproduzir alguns termos utilizados pelas pessoas que tivemos contato, quando se referiam a imprensa. Falaram que a mídia tem um poder demolidor; é formadora de opinião e sua influência é total; é a opinião publicada; não é poder constituído, porém é um poder paralelo; é a caixa de ressonância das investigações; é positiva e negativa, dependendo da situação.

Será que existe uma disputa entre imprensa e Ministério Público para ver quem seria o quarto poder?

No dizer dos doutos do mundo jurídico, é inegável que o Ministério Público é o quarto poder do Estado. Felipe Daniel Obarrio, jurista argentino, entende que se deve dotar um organismo extra-poder com todos os atributos de um quarto poder e este papel é perfeitamente realizado pelo Ministério Público. No mesmo entendimento, Fernando Tourinho Filho, um dos maiores Processualista Penalista do Brasil.

Com a nova roupagem de atribuições outorgada pela Constituição Cidadã ao Ministério Público, este passou a se empenhar nas investigações, tarefas estas anteriormente executadas, exclusivamente pelo órgão policial.

É indubitável que, com o caráter investigativo do Ministério Público, deveria haver uma caixa de ressonância, e a repercussão é muito bem realizada pela imprensa, logo, em momento algum imprensa e Ministério Público estão concorrendo para o podium do quarto lugar na estrutura do poder.

A voz do povo já nomeou a imprensa como o quarto poder, apesar da doutrina, como não poderia deixar de ser, em virtude da rigidez do estudo científico entender que o lugar cabe ao Ministério Público.

A grande verdade é que imprensa e Ministério Público se fazem presente, devido a ausência do poder constituído. É lógico, se o poder constituído não se faz presente, vem outro e toma o seu lugar. Um exemplo típico é o trafico de drogas nos morros do Rio de Janeiro, onde os traficantes cuidam do abastecimento de água, das escolas, dos empregados e, logicamente, a população dos morros aceita e protege os traficantes.

Não se pode negar que imprensa e Ministério Público muitas vezes tomam o lugar do Poder Legislativo, e este perde o seu espaço principalmente nas investigações. O Legislativo tem uma excelente arma, a Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI, que tem um grande poder de fogo no que se refere à averiguação. Mesmo a fiscalização ao Executivo, ato inerente ao poder Legislativo, faz-se de uma forma incipiente, dando o espaço que é preenchido pelo Ministério Público.

Atualmente, vê-se nos corredores suntuosos do Ministério Público a presença do povo, querendo saber dos seus direitos e, na maioria das vezes, levando fatos relevantes para serem apurados. A imprensa, ao divulgar o descaso das autoridades para com determinadas situações, está exercendo o papel de tribuno, conferido pela população menos favorecida.

No nosso entender, Ministério Público e imprensa, sem perceberem, intregam-se e se interagem, simplesmente porque um busca os fatos denunciados pelo povo, e o outro divulga estes fatos. E, logicamente, também os resultados obtidos pelo Ministério Público, provocando uma resposta imediata da sociedade.

Publicação: “Jornal O Liberal 10 de Agosto de 2000. Opinião – Atualidades”.

Responsabilidade Médica

Responsabilidade Médica

Jorge Pinheiro

Professor de Direito

Paloma Godoy,

Graduanda em Direito

Vivemos em uma época em que a relação médico-paciente não envolve tanta proximidade, como outrora, quando cada família tinha seu médico de confiança. Atualmente, procuramos um especialista para tratarmos de um certo problema de saúde e, raramente, retornamos ao seu consultório depois de estarmos com a saúde restabelecida. Além desta hodierna distância na relação médico-paciente, observamos uma massificação de certos procedimentos médico-cirúrgicos como, verbi gratia, as cirurgias estéticas, as cirurgias de miopia e antigamente as cirurgias de amígdalas.

O distanciamento do médico em relação a seus pacientes, a massificação de procedimentos, o grande número de atendimentos realizados diariamente e o mau aparelhamento de certas clínicas, entre outros motivos, têm ocasionado erros médicos.

Na lição de Edmundo Oliveira, o médico exerce hoje um poder quase ilimitado em matéria terapêutica, mas a esse desenvolvimento corresponde um acréscimo relevante de suas responsabilidades jurídicas e deontológicas, com especial observância ao cumprimento do dever conscientemente desempenhado.

O Código Penal e o Código de Defesa do Consumidor prevêem punições para os profissionais liberais que cometem um crime culposo, ou seja, atingira o resultado fatídico através da imprudência, imperícia ou negligência.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, § 4°, diz que a responsabilidade dos profissionais liberais, como é o caso do médico, será apurada mediante a verificação de culpa, conseqüentemente estamos diante da responsabilidade subjetiva.

Ada Pellegrini Grinover, defende a posição do Código de Defesa do Consumidor e, diz que os profissionais liberais somente serão responsabilizados por qualquer dano, quando ficar demonstrado a ocorrência de culpa subjetiva, em quaisquer de suas modalidades. Entretanto, existe uma corrente doutrinária que, defende a responsabilidade objetiva dos profissionais, sendo seu maior baluarte Paulo Luiz Netto Lobo.

De acordo com a lei, o médico só pode ser responsabilizado se ficar provado que agiu com negligência, imprudência ou imperícia. Ainda que esteja acompanhado de outros médicos e que tenha delegado parte de seus serviços a estes especialistas, o médico responsabilizado pela eventual falha, será aquele a quem o paciente pertence e, conseqüentemente, a quem o paciente confiou sua vida.

Todavia, acreditamos que cerne do debate e da preocupação geral da população, frente a este assunto, não gira em torno de como o médico que cometeu o erro será punido, a questão que preocupa a todos é consciência e o preparo dos profissionais da área médica que lidam, diariamente, com o primeiro dos direitos invioláveis, assegurado pela Carta Magna, no caput de seu artigo 5°: a vida.

Sem embargo, consta do currículo do curso de medicina a disciplina deontologia médica, na qual é ministrada ao aluno noções de ética. E, é sobre a ética médica que todas as preocupações se voltam.

Um médico que não informa ao paciente os riscos e as eventuais complicações dos procedimentos os quais ele está se submetendo, é ético? Um médico que não utiliza os equipamentos e materiais necessários durante uma cirurgia, está zelando pela vida de seu paciente?

Os profissionais da área médica têm que estar conscientes de que os pacientes são, em sua maioria, leigos que entregam sua vida e sua saúde nas suas mãos, confiantes na cura de seus males e na melhora de sua qualidade de vida.

Principalmente, os especialistas em cirurgia estética, nos dias atuais, têm que estar ainda mais conscientes de suas responsabilidades, pois há uma efetiva massificação deste tipo de procedimento cirúrgico e muitos pacientes procuram-nos na esperança de que uma cirurgia possa operar verdadeiros milagres em seu corpo, além de não terem o conhecimento de que este procedimento inclui riscos. O médico, neste caso, deve redobrar sua cautela ao expor ao paciente, qual o possível resultado e quais as eventuais complicações do procedimento.

Finalmente, os médicos devem estar cientes de que sua profissão é singular, pois convivem com a fina linha que separa a vida e a morte de seus pacientes; portanto, devem primar pela segurança e integridade física dos mesmos. Após um erro fatal ou que deixará seqüelas perpétuas, não há indenização que compense a vida e a saúde de um ser humano.

Publicação: “Jornal O Liberal 23 de Agosto de 2000. Opinião – Atualidades”.

Eleição e o Consumidor

Eleição e o Consumidor

Jorge Pinheiro

A propaganda eleitoral no rádio e na televisão está se aproximando, por enquanto encontra-se somente nos outdoors da cidade, com alguns dizeres e/ou fotos dos candidatos ao cargo mais importante para o município, o de Prefeito, e como não poderia deixar de ser, a presença desses e dos candidatos a vereador nos mais diversos tipos de inaugurações, festas, eventos e até mesmo disputando o de cujus, para ver quem é que vai enterrá-lo.

Alguns candidatos à prefeitura e a vereador estarão apresentando suas plataformas através da mídia, e o leitor caso não mude o canal de televisão ou a estação de rádio poderá verificar as promessas de campanhas políticas.

A pergunta que se faz, é a exeqüibilidade da proposta apresentada ao eleitorado e se a propaganda é enganosa. Determinados candidatos, muitas vezes, se propõem à depositar no cartório de títulos e documentos sua plataforma como forma de dizer ao eleitor que é uma pessoa séria e proba, e se eleito ficará obrigado ao cumprimento da proposta, logo criando um vínculo entre o candidato eleito e o eleitor.

Será que o eleitor pode obrigar o candidato eleito à cumprir suas promessas?

A luz do Código de Defesa do Consumidor, lei n° 8078/90, existe uma grande diferença entre propaganda e publicidade, apesar dos termos serem utilizados no nosso país de forma indistinta.

A propaganda visa um fio ideológico, fisiológico, político, econômico, social, religioso, ético ou moral, enquanto a publicidade tem um objetivo meramente com sentido comercial, tem como finalidade o convencimento do consumidor e adquirir um serviço ou um produto, e além do mais a publicidade para ser veiculada exige uma contraprestação que é o pagamento, e muitas vezes a propaganda para chegar ao consumidor-eleitor nem sempre ocorre o pagamento.

Infelizmente, o Código de Defesa do Consumidor não regulou a propaganda, mas apenas a publicidade, em virtude da lei consumerista tratar das relações de consumo entre fornecedor e consumidor, sendo este último, sem dúvida nenhuma, o mais vulnerável na relação.

Ora, o candidato ao fazer sua propaganda, muitas vezes impossível de ser cumprida, não está induzindo o consumidor-eleitor a influenciar-se pelo novo salvador da pátria, prometendo resolver todos os problemas que afetam a grande parte da população, como falta de: moradia, saneamento, educação, alimentação e etc?

Dizer que a propaganda não tem cunho comercial, stricto sensu até pode-se aceitar, entretanto lato sensu o candidato está vendendo um produto, que é ele mesmo. No entendimento do candidato, acha-se o mais talhado para o exercício daquele cargo e tem muitos valores agregados, logo o habilitam para o melhor exercício do ofício.

Destarte, não se deve esquecer que o candidato se eleito será mantido através de uma remuneração mensal oriunda dos impostos pagos pelo povo, consequentemente existe o envolvimento monetário.

No dizer do Inocêncio Coêlho Jr, jovem jurisconsulto municipalista e eleitoral, existe uma corrente que prega o cabimento de indenização, caso o candidato eleito tenha feito um documento e registro no cartório devido, criando um nexo obrigacional, porém não compartilha com esta tese.

O brilhante causídico entende que muitas vezes os políticos realizam promessas impossíveis de serem cumpridas individualmente, simplesmente por necessitarem na sua grande maioria, das outras instâncias do poder da federação, e logicamente o princípio federativo não pode ser quebrado. Afirma ainda, que político exerce uma atividade laboral atípica, em virtude de se destinar ao exercício da cidadania, quando o eleitor exercer o direito do voto.

Até o presente momento, é indubitável que a luz do Código de Defesa do Consumidor os candidatos não podem ser acionados por via judicial, porém o judiciário pode apreciar os casos de inadimplemento das promessas, através de uma ação de obrigação de fazer, em virtude do depósito realizado em cartório, que o obrigou ao cumprimento das promessas.

Os candidatos podem ficar tranqüilos. Não se tem conhecimento de nenhuma condenação pelo poder judiciário de candidato eleito que não tenha cumprido com as suas promessas. Infelizmente para tristeza do eleitor.

Cabe ao eleitor ter conhecimento das promessas que lhe estão sendo feitas e se podem passar para o mundo da realidade, da mesma maneira quando o consumidor compra um serviço ou um produto, e questiona ao vendedor sobre a qualidade, credibilidade e outras informações inerentes ao produto. Que tal ter o mesmo cuidado quando for escolher o seu candidato?

Publicação: “Jornal O Liberal 02 de Agosto de 2000. Opinião – Atualidades”.

O Consumidor e a Vitimologia

O Consumidor e a Vitimologia

Jorge Pinheiro

Peço venia aos ilustres lentes, Antonio José Mattos, Fernando Scaff e Edmundo Oliveira, os dois primeiros, estudiosos do Direito do Consumidor e o último, festejado pesquisador do Direito Penal, para tratar de temas aparentemente distantes, sem nenhum liame, porém tão próximos.

Antes de mais nada, há necessidade de uma rápida explicação ao leitor sobre o termo Vitimologia, que nada mais é, do que a participação da vítima para a consumação do crime, ou seja, a vítima é responsável para que aconteça o crime. No dizer de Edmundo Oliveira, é o crime precipitado pela vitima.

Ora, como pode ocorrer um crime realizado pelo consumidor e contra ele próprio?

O consumidor é bombardeado pela publicidade, sendo incentivado à consumir cada vez mais e participar do consumismo. E o brasileiro, como não poderia deixar de ser, copiou todo o modelo americano de sociedade de consumo. Dois países são altamente consumistas, o Estados Unidos e o Japão, apesar deste último ter passado por uma guerra, bem diferente do povo europeu que é bem econômico, talvez por ter enfrentado duas grandes guerras.

Através da publicidade o consumidor tem notícia das vantagens dadas pelas instituições financeiras, como por exemplo, taxas de juros diferenciadas, prazo mais adequado ao seu orçamento, rentabilidade considerável etc.

Assim sendo, quem não gostaria de auferir lucro, com determinado investimento? Nenhuma instituição pode oferecer grandes lucros se não houver riscos. E, aí, o consumidor as vezes esquece de um velho ditado, quando a esmola é grande, até o santo desconfia.

O leitor talvez esteja lembrado do caso que houve na região centro-oeste, salvo engano, na cidade de Goiânia. Determinado cidadão fundou uma instituição financeira e prometia aos investidores rendimento bem superiores aos do mercado.

O consumidor percebendo a grande vantagem e crescendo sua ganância, investiu nessa instituição. Pessoas retiraram suas poupanças de outras instituições financeiras e depositaram toda sua confiança no novo Midas. Houve caso, de consumidores venderem seus imóveis, com o intuito de aplicarem o seu dinheiro nessa instituição.

Como não poderia deixar de ser, a instituição conseguiu saldar seus compromissos nos seis primeiros meses, e sempre solicitava que os consumidores reaplicassem os valores recebidos. Este pedido valia até mesmo para os empregados da instituição financeira.

Após o sétimo mês, explodiu ou implodiu o sistema. A empresa não mais conseguia cumprir seus compromissos e logicamente veio a corrida dos consumidores para tentar salvar que tinha sido aplicado.

Neste ponto, entra perfeitamente a tese da Vitimologia, o aplicador que neste caso é o consumidor, tentou auferir lucros diferenciados, sabendo que o mercado pagava valores inferiores. O proprietário da instituição financeira utilizou a velha técnica de despertar o apetite da vítima para o lucro, e no mesmo momento certo faliu com o sistema.

Na lição de Edmundo Oliveira, as vítimas muitas vezes pertecem as elites do poder econômico e podem propiciar o crime, comungando das mesmas aspirações do autor do crime, em relação à expectativa de ganhos fáceis enriquecimento rápido, ainda que desonesto.

É indubitável, que a vítima desejou auferir ganhos fáceis e rápidos, conseqüentemente ensejou e participou para que houvesse o crime, e contra ele próprio.

O Código de Defesa do Consumidor, Lei n° 8078/90, é sem dúvida nenhuma, baseado no modelo de intervenção estatal, em virtude do consumidor ser hipossuficiente, ou seja, na relação entre consumidor-fornecedor, o primeiro é a parte mais fraca, mais vulnerável, logo o Estado veio, e realizou a tutela legal do consumidor.

Infelizmente, neste caso, apesar da intervenção estatal nas relações de consumo, o Estado não consegue controlar as instituições financeiras através do Banco Central. Muitas vezes permitindo ou sendo omisso no controle e na fiscalização de instituições que são verdadeiras arapucas.

Assim sendo, vem uma indagação e porque não dizer uma inquietude. Nos crimes de colarinho branco até onde existe a hipossuficiência do consumidor? Onde fica a proteção estatal?

Publicação: “Jornal O Liberal 13 de Julho de 2000. Opinião – Atualidades”.

Código do Consumidor e o Caos da Telefonia

Código do Consumidor e o Caos da Telefonia

Jorge Pinheiro

Professor de Direito

Anna Laura Pereira

Advogada

O Brasil, ao inaugurar o novo sistema de telefonia, no dia 3 de julho de 1999, jamais imaginou que provocaria um caos para os consumidores, em virtude do sistema ter entrado em um colapso totalmente inesperado e inimaginável.

Conforme noticiou a imprensa, no Estado do Pará, 40% das ligações DDD – Discagem Direta à Distância não foram realizadas, e, no primeiro dia útil em que o sistema moderno entrou em funcionamento, este apresentou falhas na proporção de aproximadamente 70%, em relação ao seu funcionamento total. Nas declarações de um dos presidentes da empresa prestadora de serviços, tais falhas decorrem exclusivamente da culpa dos usuários, por não saberem utilizar o novo sistema implantado, apesar da divulgação constante pelos meios de comunicação.

Será que empresas de mercado de capitais, turismo, escritórios, instituições financeiras entre outras, estariam despreparadas e desavisadas para a utilização deste novo sistema? Ou, na realidade, e o mais esperado, é que as empresas prestadoras de serviços não esperavam um bug, que não foi do milênio, pelo congestionamento das chamadas telefônicas?

A empresa Telemar culpa a Embratel pela catástrofe ocorrida, em virtude desta ser a proprietária do Sistema de Fibra Ótica e de Satélite, já que qualquer ligação que for realizada pelo 31 terá que ser jogada no sistema da Embratel.

O Consumidor não está interessado, e nem poderia estar, no problema operacional da empresa prestadora. Deseja é que o serviço prestado seja de qualidade e atenda as suas expectativas. As empresas de telefonia esquecem que o seu principal objetivo é este: proporcionar um serviço de qualidade, com rapidez, cativando, assim, os consumidores e levando-os a utiliza-la. Ao menos, esta foi a posição tomada pelo presidente da Agência Nacional de Telecomunicações-Anatel, em defesa da nova postura das prestadoras de serviços de telefonia, para o qual, as mesmas precisam “correr atrás do cidadão, saber o que ele quer e trata-lo como uma pessoa especial e não como usuário”.

A Anatel admite punir as empresas pela falha no planejamento das mudanças no sistema de ligações ocorrida, com o montante equivalente a até R$40.000.000,00. E, lógico que, devido ao alto valor da multa, as mesmas desejam atribuir a culpa e o ônus da prova aos consumidores, responsabilizando-os pela comprovação do dano causado e da determinação do quantum relativo ao seu prejuízo.

O Código de Defesa do Consumidor, lei n° 8.078/90, é cristalino em dispor, em seu art.14, que os fornecedores de serviços respondem, independentemente da culpa existente, pela reparação dos danos causados aos consumidores pelos defeitos oriundos da sua prestação de serviços. E, mais ainda, inclusive por informações insuficientes ou inadequadas sobre a sua fruição e riscos.

Assim, e ainda de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade por danos ao consumidor abrange tanto o fato do produto, quanto o fato do serviço. E esta responsabilidade, decorre, nos dizeres de Zelmo Denari ¹. “da exteriorização de um vício de qualidade, vale dizer, de um defeito capaz de frustrar a legítima expectativa do consumidor quanto à sua utilização ou fruição”. (grifo nosso).

Devido a não exigência de culpa por parte dos usuários, ou seja, os consumidores, no do dano causado, observa-se que a responsabilidade adotada pelo Código do Consumidor Brasileiro, é a responsabilidade objetiva, devendo, desta forma, o fornecedor de serviços indenizar os prejuízos causados, mesmo que não se demonstre a culpa subjetiva do usuário.

As empresas prestadoras de serviços de telefonia, somente estarão isentas de tal responsabilização, no caso em questão, se provocarem que defeito não existiu ou, ainda, que a culpa pela não realização das ligações foi exclusivamente dos usuários.

Neste aspecto, importante mencionar o Art.6°., VII do Código de Defesa do Consumidor, o qual determina a inversão do ônus probandi, ou seja, são os fornecedores que deverão provar que o defeito não existiu ou que não são responsáveis pelo mesmo.

Justamente por tais disposições legais, é que se vê a tentativa desesperada de imputação de culpa por parte da Telemar na Embratel, e, também, a afirmação por parte dos representantes daquela, de que a falha ocorreu em virtude de os usuários não terem conhecimento de como utilizar o novo sistema para a realização das ligações, e não por falha do mesmo.

Inicia-se, agora, uma luta de gigantes entre operadores, cada qual se acusando mutuamente, tentando isentar a sua obrigação de pagar a multa estabelecida pela Anatel e de indenizar consumidores lesados. Espera-se, ao menos, que desta disputa não saia perdendo somente o lado fraco da questão, os consumidores, os quais, provavelmente, e, mais uma vez, ficarão sem reparação pelos danos sofridos.

¹Denari, Zelmo et alii. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro. Ed.Forense Universitária, 1998, p.139

Publicação: “Jornal O Diário do Pará. Belém, 10 de julho de 1999. Mercantil”.

Morte Precoce

Morte Precoce

Jorge Pinheiro

Enquanto cidadão, e no pleno exercício da cidadania, tão propalada e apregoada com a Constituição da República de 1988, não podemos deixar de constatar um fato que causa indignação.

Um cidadão brasileiro, de 29 anos, corre risco de sofrer a violência de se ver aposentado compulsóriamente, por ter simplesmente agido em defesa do interesse público. Talvez o modus faciendi tenha sido pelos arroubos da sua idade, em virtude de ter denunciado uma correção salarial, que ao seu ver era ilegal ou irregular.

Antes de mais nada, há necessidade do leitor entender o termo compulsória. Nada mais é, do que, uma determinação judicial ou um dispositivo legal que obriga funcionários civis ou militares a aposentadoria ou a reforma. No Brasil, falar em aposentadoria compulsória, temos que nos reportar como ela é intitulada. Popularmente no serviço público é conhecida como “expulsória”, ou seja, a pessoa completa 70 anos e é obrigado a sair do serviço público.

Este cidadão que tem no seu pescoço uma corda, quiça mais grossa do que a do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, cada vez mais apertando, pelo simples fato de acreditar na Justiça. Esta com letra maiúscula, magnânima, imparcial, sem favorecer nem a um nem a outro. Nas Faculdades de Direito sempre estamos à responder as inquietudes dos alunos, em relação a legalidade versus a legitimidade.

É indubitável que a justiça é por excelência uma virtude individual, como pregava Platão, entretanto, é também valor de uma ordem social.

Como vamos ensinar nas Escolas de Direito, e mesmo aos nossos filhos, que a lei é simplesmente uma ficção ou uma teoria, que quando passa para a praxe não funciona, muito pelo contrário, o que existe é a lei do mais forte e em alguns casos, a famosa, porém famigerada “Lei de Gerson”, que ao nosso ver deveria ser extirpada da sociedade brasileira.

Em momento algum podemos concorda com injustiças. É nossa obrigação, enquanto cidadão, bradarmos pela verdade e pela justiça.

Não somos civilistas, pedimos vênia, para tecermos rápidos comentários sobre o assunto morte. No Direito Civil, a morte dar-se-á de maneira natural, logo temos como constatação o atestado de óbito e o outro modo, é a morte presumida, sendo pela ausência ou por acidente, como foi o caso do Ulysses Guimarães, levado pelo mar de Angra dos Reis.

Antigamente no Direito Civil tínhamos a morte civil, destinada ao insolvente ou ao falido. No futebol temos a morte súbita, destinada ao final de uma partida de campeonato.

Apesar de não termos no nosso ordenamento jurídico a morte civil, deseja-se imputar a este jovem, a Morte Precoce, através da aposentadoria compulsória.

Caso seja consumada a aposentadoria, haverá o recebimento de proventos, consequentemente não poderá mais participar da administração direta ou concorrer através de concurso público para um outro cargo.

O leitor talvez esteja estranhando o fato de que na atualidade as pessoas gostariam de se aposentar bem cedo, porém no caso em tela, os proventos seriam proporcionais ao tempo de serviço. Uma pessoa de 29 anos, no caso tenha iniciado a trabalhar com 19 anos, sua aposentadoria seria numa relação de 10/35 avos.

Como podemos extirpar da força laboral, uma pessoa com esta idade, em pleno vigor da sua atividade intelectual, e que temos certeza, muito ainda poderia contribuir para a sociedade brasileira, conforme ficou demonstrado pelo seu gesto corajoso e despojado.

Pelo menos, observamos que alguma coisa está mudando no Brasil. O cidadão está mais determinado para chegar a verdade, não mais se intimida com tanta facilidade, como outrora.

Frases feitas como “o Brasil não tem jeito”, “este não é um país sério” são frase que só nós, enquanto cidadãos, podemos modifica-las.

Terminamos o artigo lembrando uma frase em latim, “tempora mutantur, non est mutamur in illis”, no vernáculo, os tempos mudam, e nós mudamos com eles.

Publicação: “Jornal O Liberal 03 de Outubro de 2000. Opinião – Atualidades”.

(In) Tolerância Zero

(In) Tolerância Zero

Jorge Pinheiro

Professor de Direito

Libio Araújo Moura

Bacharel em Direito

Mais uma rebelião nos presídios de São Paulo. Motins nas seccionais urbanas do nosso Estado. O assassinato de taxistas em tentativas frustadas de subtração. Tais condutas rotineiras de violência nacional são o suficiente para que se ouça ecoar o grito das “pessoas de bem” clamando por Justiça, indagando ao Poder Judiciário resposta acerca das prestações jurisdicionais, e fazendo ressurgir a velha discussão sobre a ineficácia das normas penais vigentes, sobretudo em relação a sanção em abstrato por elas impostas.

Antes que se edite leis comparáveis que regulamentou os crimes hediondos e assemelhados (Lei n° 8.072/90), cominando penas superiores a trinta anos para autores de delitos que provoquem clamor público ou estardalhaço na imprensa, é necessário que a comunidade jurídica se manifeste, visando evitar novas aberrações legais, como as que constantemente aparecem no arcabouço legislativo nacional.

Sem dúvida alguma, não pode ser objeto de indulgência ou pouco caso as condutas acima referidas, permeadas de intensa violência. A questão merece reprimenda célere, forma de assegurar a credibilidade popular na resposta estatal aos conflitos.

Todavia, incumbir apenas ao Direito Repressivo a missão de se acabar com a violência dos grandes centros, renovando o estoque bárbaro de leis pessimamente formuladas e inócuas, é um remédio, no mínimo, com efeito de retardar a cura da doença, para esperar o momento do exaspero.

Não devemos permitir que paises do chamado primeiro mundo, importem ciência jurídica e os nossos operadores do Direito aceitem pacificamente, como se fosse uma verdade única e facilmente aplicada em nosso país. Ledo engano a simples transposição : primeiro, porque a realidade concreta é completamente distinta, mesmo não sendo as carências sociais todas satisfeitas ali, o ideal cultural difere. São nações que acreditam em si, e importam, para empolgamos como nós, o modo de vida que construíram pautados em suas necessidades. Em segundo lugar, porque nessas sociedades capitalistas – de império – qualquer ameaça aos bens materiais é refutada com grande desrespeito às normas supralegais, às garantias básicas dos cidadãos. Essas comunidades adotam a famigerada doutrina da tolerância zero, com base na teoria da lei e da ordem, onde a sociedade é dividida entre mocinhos e bandidos, e as estes toda repulsa será destinada.

Atualmente, o posicionamento que alguns segmentos da sociedade brasileira vem manifestando, através dos meios de comunicação de um modo geral, com autoridades criticando os índices de violência, taxando de benevolentes as leis que responsabilizam menores por atos infracionais, e cobrando mais apenamento aos criminosos imputáveis, nada mais é do que a aceitação do modelo enlatado da (in) torelância zero.

É preciso prudência ao encontra culpados para o desajuste social tão depressa, como se faz aqui. O movimento da lei e da ordem falha, e, principalmente, falha no Brasil, pois não precisamos encarcerar famintos, ou até matá-los, para que desapareçam os problemas, como se quiséssemos jogar a poeira pra debaixo do tapete. Não adianta...! e a maior cidade da América Latina comprovou a assertiva com suas rebeliões orquestradas nas vinte e nove casas penais. Ademais, o larápio rastaqüera, como o malandro de Bertolt Brecht, não é o único culpado pela situação (duplamente parafraseando Chico Buarque).

Urge que façamos uma reforma de baixo para cima nas instituições, e especialmente, na mentalidade das pessoas, que, sem base alguma, formam a opinião massificada. O Direito Penal no mundo atravessa uma fase de abolicionismo de condutas criminosas ínfimas, ou em que a sanção não demonstra resultado, em razão da solução ser diversa. Não podemos, mais uma vez, como estamos ao longo de nossa formação, andar na contramão da História.

Além disso, a ciência jurídica não pode estar a mercê das classes dominantes, estas sim, autoras de delitos em silêncio, das grandes subtrações da economia pública, mas que não agridem de maneira frontal as vítimas, como o fazem os novos bárbaros das favelas, dos subúrbios. Sempre interessou às elites a máxima do Direito de “dar a cada um o que é seu”, e assim, dão ao pobre a probeza, ao miserável a miséria.

A proliferação da torelância zero no sistema político-criminal brasileiro, somente somará na derrocada final de qualquer tentativa de sucesso no combate aos delitos. Impressiona, nessa ascensão, o papel de antítese que a imprensa nacional exerce, como já nos referimos. Manchetes sensacionalistas, discussões sobre a menoridade penal, diálogos em novelas (“pôxa, como o Rio está violento..”), entre outros, criam o ambiente perfeito para o chamado “processo social de idiotização”, onde repetimos frases feitas, chavões que interessam a poucos.

O saudoso professor Aloysio Biondi, destacou com precisão, em seu último artigo jornalístico, a função devastadora da imprensa, sobretudo no governo de Fernando Henrique Cardoso, com a manipulação de notícias em todos os setores: “A falta de ética chegou a tal ponto, que se chega a inverter completamente a informação, para enganar o público”.

É mais do que nunca, momento de ecoar as vozes daqueles que defendem a aplicação comedida a garantista do Direito Repressor, e combatem qualquer forma de leviandade feita às pressas e de encomenda.

A lição sabemos de cor, só nos resta aprender.

Publicação: “Jornal O Liberal 15 de Março de 2001. Opinião – Atualidades”.

Rebeliões Orquestradas II

Rebeliões Orquestradas II

Jorge Pinheiro

Depois de uma semana da rebelião nos presídios do maior estado do Brasil, temos o número exato de estabelecimentos penais que se rebelaram contra o “status quo”. Foram exatamente 29 casas penais e não as 18 anteriormente admitidas pelo secretário de segurança pública.

O Primeiro Comando da Capital, mais conhecido como PCC ou 15.3.3, finalmente divulgou seu manifesto e logicamente as reivindicações. As reclamações são muito conhecidas do leitor, em síntese os problemas são: condições das prisões, falta de diálogo por parte das direções das casas penais e o não cumprimento da Lei de Execução Penal.

O mais interessante é o “desideratum” da rebelião. Utiliza-se como argumentação, a tentativa por parte do PCC de forçar as autoridades ao diálogo e ao cumprimento da lei.

Os presos não deixam de ter suas razões. A Lei de Execução Penal prevê nos estabelecimentos penais, áreas e serviços destinados a dar ao preso assistência material, educação, trabalho, recreação e pratica esportiva (art. 83).

É no mínimo ilógico. O estado não deu à esta pessoa, quando ainda tinha a liberdade, nenhuma assistência material; não conseguiu em momento algum dar o mínimo de instrução formal, ou seja, o ensino fundamental; se há falta de trabalho para uma grande parcela da população brasileira, imagine dar trabalho para os que se encontram no cárcere e poucos são os brasileiros que tem alguma recreação e uma prática esportiva.

Como podemos exigir do sistema penitenciário o cumprimento da lei, se enquanto Estado, é visível que falhamos com esse cidadão. É fácil trancarmos essas pessoas, e exigirmos que agora, o sistema deve funcionar.

Evandro Lins e Silva, emérito jurisconsulto criminalista, entende que há necessidade da criação de um novo sistema, que atenda o interesse social; enquanto Luiz Flávio Gomes, quase estrela da mesma grandeza, defende uma reforma liberalizante do Código Penal, retirando muitos ilícitos penais para ilícitos administrativos.

É indubitável, que a globalização chegou aos presídios. A mídia incentiva o consumo de artigos eletro-eletrônicos, e como não poderia deixar de ser, os presidiários utilizaram essa tecnologia na rebelião, com o uso de telefones celulares e walk talk.

O governo federal abriu uma verdadeira “guerra cívica” à entrada de telefones celulares nos estabelecimentos. O ministro da Justiça considera a utilização de telefones celulares mais nocivo do que o uso de estorques ou estiletes por parte da população carcerária.

Além disso, promete remeter ao Congresso Nacional um projeto de lei que prevê a perda do direito a liberdade condicional, em caso de uso de telefone celular pelo preso, e as faltas graves poderão aumentar em até dois anos, o tempo para obtenção da liberdade condicional.

Um outro “grande projeto” do governo federal é a adoção de detectores de metais nas casas penais.

Infelizmente, esquece o governo, a alta corrupção que paira sobre o sistema penitenciário paulista. Conforme noticiado na mídia, a entrada de um telefone celular em um presídio custa em média R$ 600,00, um quilo de maconha R$ 250,00, sem contar a possibilidade da entrada também de revólveres, granadas e outras armas.

Os presos encontram-se tão bem organizados e globalizados, a nível de crime organizado, que as contribuições financeiras vão para o caixa 1 (pagamento de advogados, manutenção da família do presidiário) e o caixa 2 (pagamento de ações de risco, como assalto, seqüestro e tráfico de drogas). É uma organização de fazer inveja, a muita associação para fins lícitos.

O leitor talvez não saiba, o Complexo de Carandiru tem 7 mil presos, e no dia de visita a população chega a 11 mil. Com a simples finalidade comparativa, alguns municípios paraenses não chegam a essa população, como por exemplo, Colares, Santarém Novo, Magalhães Barata, Quatipuru, Cachoeira do Piriá, Palestina do Pará, São João do Araguaia, Nova Ipixuna e Piçarra.

Temos conhecimento das grandes dificuldades do sistema penitenciário, porém não se faz política penitenciária com simples projetos de lei, proibindo telefones celulares ou instalando detectores de metais. O que se deseja é uma política pública séria, que retire da ociosidade a população carcerária, através de cursos profissionalizantes como de garçon, eletricista, encanador e outros.

Defendemos que só através do trabalho, o ser humano se sinta mais útil e valorizado, e não uma fera enjaulada, regredindo ao seu estado primitivo.

Publicação: “Jornal O Liberal 01 de Março de 2001. Opinião – Atualidades”