segunda-feira, 19 de novembro de 2007

O Consumidor e a Vitimologia

O Consumidor e a Vitimologia

Jorge Pinheiro

Peço venia aos ilustres lentes, Antonio José Mattos, Fernando Scaff e Edmundo Oliveira, os dois primeiros, estudiosos do Direito do Consumidor e o último, festejado pesquisador do Direito Penal, para tratar de temas aparentemente distantes, sem nenhum liame, porém tão próximos.

Antes de mais nada, há necessidade de uma rápida explicação ao leitor sobre o termo Vitimologia, que nada mais é, do que a participação da vítima para a consumação do crime, ou seja, a vítima é responsável para que aconteça o crime. No dizer de Edmundo Oliveira, é o crime precipitado pela vitima.

Ora, como pode ocorrer um crime realizado pelo consumidor e contra ele próprio?

O consumidor é bombardeado pela publicidade, sendo incentivado à consumir cada vez mais e participar do consumismo. E o brasileiro, como não poderia deixar de ser, copiou todo o modelo americano de sociedade de consumo. Dois países são altamente consumistas, o Estados Unidos e o Japão, apesar deste último ter passado por uma guerra, bem diferente do povo europeu que é bem econômico, talvez por ter enfrentado duas grandes guerras.

Através da publicidade o consumidor tem notícia das vantagens dadas pelas instituições financeiras, como por exemplo, taxas de juros diferenciadas, prazo mais adequado ao seu orçamento, rentabilidade considerável etc.

Assim sendo, quem não gostaria de auferir lucro, com determinado investimento? Nenhuma instituição pode oferecer grandes lucros se não houver riscos. E, aí, o consumidor as vezes esquece de um velho ditado, quando a esmola é grande, até o santo desconfia.

O leitor talvez esteja lembrado do caso que houve na região centro-oeste, salvo engano, na cidade de Goiânia. Determinado cidadão fundou uma instituição financeira e prometia aos investidores rendimento bem superiores aos do mercado.

O consumidor percebendo a grande vantagem e crescendo sua ganância, investiu nessa instituição. Pessoas retiraram suas poupanças de outras instituições financeiras e depositaram toda sua confiança no novo Midas. Houve caso, de consumidores venderem seus imóveis, com o intuito de aplicarem o seu dinheiro nessa instituição.

Como não poderia deixar de ser, a instituição conseguiu saldar seus compromissos nos seis primeiros meses, e sempre solicitava que os consumidores reaplicassem os valores recebidos. Este pedido valia até mesmo para os empregados da instituição financeira.

Após o sétimo mês, explodiu ou implodiu o sistema. A empresa não mais conseguia cumprir seus compromissos e logicamente veio a corrida dos consumidores para tentar salvar que tinha sido aplicado.

Neste ponto, entra perfeitamente a tese da Vitimologia, o aplicador que neste caso é o consumidor, tentou auferir lucros diferenciados, sabendo que o mercado pagava valores inferiores. O proprietário da instituição financeira utilizou a velha técnica de despertar o apetite da vítima para o lucro, e no mesmo momento certo faliu com o sistema.

Na lição de Edmundo Oliveira, as vítimas muitas vezes pertecem as elites do poder econômico e podem propiciar o crime, comungando das mesmas aspirações do autor do crime, em relação à expectativa de ganhos fáceis enriquecimento rápido, ainda que desonesto.

É indubitável, que a vítima desejou auferir ganhos fáceis e rápidos, conseqüentemente ensejou e participou para que houvesse o crime, e contra ele próprio.

O Código de Defesa do Consumidor, Lei n° 8078/90, é sem dúvida nenhuma, baseado no modelo de intervenção estatal, em virtude do consumidor ser hipossuficiente, ou seja, na relação entre consumidor-fornecedor, o primeiro é a parte mais fraca, mais vulnerável, logo o Estado veio, e realizou a tutela legal do consumidor.

Infelizmente, neste caso, apesar da intervenção estatal nas relações de consumo, o Estado não consegue controlar as instituições financeiras através do Banco Central. Muitas vezes permitindo ou sendo omisso no controle e na fiscalização de instituições que são verdadeiras arapucas.

Assim sendo, vem uma indagação e porque não dizer uma inquietude. Nos crimes de colarinho branco até onde existe a hipossuficiência do consumidor? Onde fica a proteção estatal?

Publicação: “Jornal O Liberal 13 de Julho de 2000. Opinião – Atualidades”.

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