segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Aborto Legal

Aborto Legal

Jorge Pinheiro

Professor de Direito

Luciana Coelho

Psicóloga

O avanço do processo de democratização e a atenção do Poder Legislativo às inúmeras reivindicações da sociedade, em momento algum pode deixar ao acaso tema tão importante como o aborto legal.

A discussão sobre o tema se faz imperativa, pois se observa que em muitos seguimentos da sociedade a omissão é explicita, onde permanecer no silêncio é mais seguro e prudente. Tal fenômeno ocorre muitas vezes pela falta de informação ou talvez receio de suscitar polêmicas e ser alvo de críticas, embora se saiba que tal temática está regulamentada desde 1940,com o Código Penal brasileiro, em seu artigo 128, incisos I e II, o que faz nos depararmos com um aparente retrocesso.

Todos somos cientes que, o tempo e os valores estão em constante transformação, trazendo como conseqüência a contínua e incansável reformulação da sociedade em seu modo de pensar e agir.

Conforme dados do Ministério da Saúde, cerca de 1,5 milhões de mulheres interromperam suas gestações, por vários motivos. Elas não sabem como a sociedade vai inseri-las ou tratá-las. Como vítimas de um sistema que impossibilita o acesso a um serviço de saúde adequado e seguro ou como criminosas por desrespeitarem a natureza, as leis divinas, as leis da igreja ou as leis dos homens? eformulaça e incansavel s rmaça e os valores est

Não podemos estagnar ou adiar indefinidamente a discussão sobre o aborto legal. É comum na nossa realidade tomarmos conhecimento dos mais variáveis e cruéis crimes que invadem o nosso cotidiano, a ponto de nos tornarmos insensíveis e não mais nos indignarmos com a ocorrência dos mesmos, restando somente a nossa resignação na convivência diária, mesmo como meros espectadores, com o mundo do crime.

Dentro desse universo, os crimes que são cometidos contra as mulheres também tem atingido níveis intoleráveis de incidência, e que variam desde a violência doméstica onde são agredidas pelos próprios membros de sua família, na sua grande maioria pelo cônjuge ou companheiro, até o mais íntimo deles, o de estupro.

Os crimes de estupro por si só caracterizam uma grande violência a que a mulher é submetida, no entanto, trazem consigo uma peculiaridade, pois em decorrência do estupro pode surgir uma gravidez indesejada e como tal a vítima se depara com mais uma seqüela, além das físicas, sexuais e emocionais, intensificando ainda mais a violência sofrida e prolongando ainda mais seu sofrimento e fazendo com que a mulher se confronte com outra violência, só que agora como agente ativo, ao realizar o aborto.

É indubitável que uma pessoa ao sofrer estupro, tem o seu psicólogo totalmente afetado. Em tempos passados, na nossa cidade, uma moça teve sua residência invadida na calada da noite, por marginais e estes submeteram a jovem as sevícias, dando como resultado a gravidez indesejada. Esta jovem era noiva e sua mente ficou tão afetada pelo ato cruel, que veio a praticar o suicídio.

As pessoas com maior poder aquisitivo procuram clínicas especializadas, com a utilização de todos os recursos disponíveis. Enquanto para as pessoas carentes só restam as famosas garrafadas, as pseudo-clínicas, as curiosas e os cytotecs da vida.

Não desejamos entrar em uma discussão estéril sobre a validade e a viabilidade do aborto, ou sobre o princípio constitucional do direito à vida, ou que um deputado desejava ampliar o texto da Carta Magna, garantido a inviolabilidade da vida desde a concepção, logo o aborto seria proibido até mesmo nos casos em que a lei permite.

A proteção desejada é que uma pessoa que tenha sofrido estupro e engravidou, corra risco de vida com a gravidez ou esteja esperando um filho com problemas teratológicos, tenha o acesso a hospital público de qualidade para que possa ser atendida com segurança, e posteriormente tenha um acompanhamento psicológico pelo trauma que sofreu.

Neste ano um juiz criminal negou a autorização de aborto para quatro mulheres que teriam bebês anencéfalos, ou seja, sem cérebros, com base na Constituição que assegura o direito à vida e disse que o aborto legal é uma pena de morte imposta ao ser humano quando ainda vive no ventre materno.

A medicina detecta facilmente este fato através da ultra-sonografia, o que era impossível na década de 40, época do Código penal brasileiro. De acordo com os médicos, bebês sem cérebros ao nascerem, sobrevivem apenas algumas horas. Não sabemos se no caso concreto, o juiz foi assessorado por profissionais da área, como psicólogos, psiquiatras, psicoteraupetas. Entendemos que casos como estes, os juizes deveriam procurar um apoio legal e também auxílio da opinião dos citados profissionais.

A cidadania é tão propalada em verso e prosa, logo devemos exercê-la na sua plenitude. Ficam várias perguntas ao leitor. O aborto legal é um direito ou um crime? É justo não poder optar por ter ou não um filho natimorto? O aborto na situação de bebês sem cérebros é uma questão de humanidade ou uma questão de legalidade?

Publicação: “Jornal O Liberal 27 de dezembro de 2000. Opinião – Atualidades”.

Nenhum comentário: