segunda-feira, 19 de novembro de 2007

O Homem ou a Árvore ?

O Homem ou a Árvore?

Jorge Pinheiro

O Brasil assistiu na semana passada, um dos maiores absurdos jurídicos do novo milênio. Um trabalhador preocupado com a saúde de sua esposa cometeu um terrível crime previsto na Lei nº 9605/98, por ter praticado uma infração penal, pelo simples ato de tirar seiva de determinadas árvores, com o intuito de salvar a sua companheira dos males da saúde. Ficou preso, aproximadamente 5 (cinco) longos dias, incurso no artigo 40, caput, da aludida lei.

O artigo em tela prevê pena de reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, para aqueles que causarem dano direto ou indireto na reservas e estações ecológicas, parques e florestas nacionais, estaduais ou municipais, áreas de proteção ambiental, áreas de relevante interesse ecológico, reservas extrativistas ou outras a serem criadas pelo poder público.

Com a finalidade precípua de esclarecer as pessoas que não são ligadas a área jurídica, no crime de reclusão o condenado inicia a cumprir pena em uma penitenciária, em regime fechado. No nosso estado, o condenado iria para o Complexo penitenciário de Americano I e II.

Ora, data venia, como pode-se concordar com fato dessa natureza. Nas Faculdades de Direito se aprende que a Lei foi feita pelos homens e com o intuito de nortear o convívio pacífico em sociedade, e o bem jurídico maior é a vida, logo após, só existe um outro bem jurídico, cantado em verso e prosa, intitulado de liberdade, ou seja, o direito de ir, vir e ficar, bem este de vital importância no mundo democrático.

Nas nossas aulas, tentamos ensinar aos alunos, que estamos em uma Faculdade de Direito, e não em uma Faculdade de Leis, de Juizes, de Promotores, de Advogados, de Defensores Públicos ou de Delegados de Polícia, conseqüentemente o debate, o contraditório, é a maior arma do amante do Direito, e mais, não podemos cultuar o velho aforismo latino dura lex, sed lex. É de vital importância, a compreensão dos operadores do direito sobre essa posição.

Temos responsabilidade com a sociedade e é nossa obrigação, mostrar-mos nossa indignação com fatos dessa natureza. Os delegados de polícia, os defensores públicos, os advogados, os promotores e os juizes saem da nossa escola, nós o formamos, assim sendo, devemos ter uma nova visão de mundo.

Em momento algum, podemos nos contentar com o texto frio da lei, senão não haveria necessidade dos operadores do Direito, bastaria colocarmos os dados referentes a determinado crime no computador, e este, em fração de segundos daria a sentença.

Não podemos calar, perante a situação de Josias, um simples agricultor em Brasília, tentando salvar sua mulher, Erotildes, do mal de chagas.

O trabalhador que foi preso, é de uma pureza cristalina. Nas entrevistas declarou sua vergonha por ter sido preso, e sua vontade era de suicidar-se, em virtude da humilhação imposta pela polícia florestal. Suas palavras, em pranto incontido, foram as seguintes: “se liberto, quero entrar em um quarto e acabar com a minha vida”. Não tinha como encarar sua esposa, seus amigos, seus vizinhos, depois de ter atravessado o Vale da vergonha.

O simples ato de ter raspado um pedaço do tronco de uma árvore, com o desideratum de salvar a vida da sua mulher, deu direito à polícia florestal de Brasília, de chamar o agricultor de cabra safado, logo sentiu-se ofendido moralmente, e além do mais, sofreu a maior agressão, com a perda da sua liberdade.

As florestas da Amazônia e em particular as árvores de açaí para extração do palmito, aos poucos estão sendo devastadas; não por Átila, rei dos hunos, mas simplesmente pelo ser humano, com uma voracidade capitalista muito grande. Imaginem se a zelosa polícia florestal de Brasília, viesse para Amazônia. Com toda certeza, nossos caboclos estariam todos presos, e seria necessário um grande planejamento, com a finalidade de construir presídios.

Direito é bom senso, o que infelizmente faltou para a polícia foi a análise da culpabilidade do agricultor. Ainda bem, a justiça de Brasília, sensibilizada com o caso, observou que não houve dolo, assim sendo, não existiu a intenção de cometer o crime, logo só restava relaxar sua prisão, depois de alguns dias no cárcere.

Prevaleceu o bom direito, porém ficamos a mercê de alguns intérpretes de leis, e aí, só nos resta fazer a pergunta: Crime Ambiental, quem vale mais, o homem ou a árvore?

Publicação: “Jornal O Liberal 28 de junho de 2000. Opinião – Atualidades”.

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