segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Eleição e Servidão II

Eleição e Servidão II

Jorge Pinheiro

Professor de Direito

Paloma Godoy,

Graduanda em Direito

Estamos em plena época eleitoral. Mais uma vez decidiremos os rumos do nosso município pelos próximos quatro anos. Para a maioria, assistir propaganda eleitoral gratuita na televisão, duas vezes ao dia, e ter que deslocar-se de sua residência até o local de votação em primeiro de outubro parece um fardo pesado demais. Para esta mesma maioria, as propagandas de conscientização feitas pelo governo federal e veiculadas na televisão, mostrando os membros de uma família cientes do seu papel como cidadãos, parecem até ironia. Afinal, poucas pessoas acreditam que conseguirão encontrar um bom candidato nos dias atuais, que irá, efetivamente, cumprir o seu projeto de governo.

Quando pessoas menos conformadas com a realidade se defrontam com tal quadro social, algumas indagações tornam-se inevitáveis: o poder dos governantes não deveria emanar do povo? As pessoas que elegemos não deveriam utilizar-se do dinheiro de nossos tributos em nosso próprio beneficio? Não é verdade que o Estado existe apenas para assegurar que a vontade da maioria se efetive?

Infelizmente, somos obrigados a admitir que teorias como estas citadas, pertencentes a célebres filósofos jusnaturalistas, como Rousseau, estão definitivamente enterradas. Seria muito mais simples para todos se elas fossem verdadeiras. Todos seríamos cidadãos que, conscientemente, votaríamos em outros cidadãos que nos representariam dignamente em uma assembléia.

Não pretendemos, aqui, fazer nenhuma apologia a Marx, contudo, também somos obrigados a admitir que algumas de suas teorias em relação aos detentores do poder estão corretas e são válidas para nosso momento histórico.

O Estado não é tão perfeito como sempre nos disseram. Ele não assegura que nossas vontades sejam cumpridas, caso contrário não teríamos tanta miséria, tanta violência, tão poucos hospitais e escolas. As pessoas que elegemos utilizam o dinheiro de nossos tributos em beneficio próprio e nós somos informados, dia após dia, de que tantos milhões ou bilhões, que deveriam estar nos cofres públicos, estão em contas de particulares em paraísos fiscais. Por fim, quem é que vai acreditar que o poder dos governantes emana do povo?

O poder dos governantes e o poder do Estado emanam dos detentores do poder econômico, que, na verdade, se confundem com os detentores do poder político. E nós? Nós desligamos a televisão na hora em que começa a propaganda eleitoral gratuita. Afinal, parece que nada do que se passa nesta época eleitoral tem a ver conosco.

Diante deste quadro, só podemos chegar a uma conclusão: somos servos. Somos servos do poder. Consentimos, placidamente, que um diminuto grupo de supostos representantes da vontade geral legislem em nosso nome, cerceem nossa liberdade e controle nossas vidas. E este tipo de servidão – que não deve ser confundida com a servidão existente no modo de produção feudal- não é um fenômeno contemporâneo, há exemplos desta servidão - que é voluntária, pois não há nenhum tipo de força que nos obrigue a servir – permeando toda a historia da humanidade. Aqui, cabe citar o filósofo francês do século XVI, Étienne de La Boétie, que discursando sobre a servidão voluntária, afirmou que os homens abrem mão de sua consciência e de sua liberdade em nome de um governante, na esperança que este lhe proporcione a aquisição de bens.

Não é exatamente isto que vemos atualmente? Escolhemos nossos representantes pensando nos bens e vantagens que poderemos auferir através de seu governo. Jamais pensamos no bem comum. Sendo assim, continuaremos rejeitando a propaganda eleitoral gratuita, continuaremos detestando o incômodo de nos dirigirmos ao local de votação e continuaremos servindo aos donos do poder.

Publicação: “Jornal O Liberal 05 de Setembro de 2000. Opinião – Atualidades”.

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