segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Eleição e Servidão I

Eleição e Servidão I

Jorge Pinheiro

Professor de Direito

Ruy Borborema Neto

Graduando em Direito

Em épocas de eleição, depara-se novamente com a obrigação de escolher os indivíduos que irão ocupar os cargos de direção do governo. Obrigação, pois, além da obrigatoriedade do voto, a grande desmoralização da política partidária fez com que o povo progressivamente desacreditasse na capacidade de se resolver problemas institucionalmente.

Os efeitos desse descrédito na “política oficial” têm provocado um deslocamento dessa atividade cada vez mais fora do Estado, concentrando-se no que comumente se chama “política de base”, no plano das associações comunitárias, dos bairros, do trabalho, do cotidiano de cada indivíduo.

A política é um produto de seu momento histórico, estando, portanto, sujeita às mudanças que se fizeram necessárias para assegurar a sua eficiência enquanto instrumento coletivo de decisão. O que muda é a forma como se apresenta a atividade política, e não a atividade em si.

Constantemente escuta-se alguém dizer: “Detesto política!”. Ora, se realmente detesta a política, detesta também a liberdade de se discutir os rumos que a sociedade deve seguir para superar seus problemas, detesta a democracia e a possibilidade de que todos participem do governo, apesar de todas as suas deficiências estruturais, e põe-se cego diante das possibilidades de mudanças.

Os excessos de determinismos como “o Brasil não tem jeito!” tentam incutir na sociedade o mito de que para fazer uso e compartilhar da palavra política é necessário ter um conhecimento técnico, provocando a gênese de uma verdadeira classe de “políticos profissionais” que governam uma outra classe, os servos voluntários. O povo é afastado do governo como se não fosse parte dele, como se o Estado e a sociedade fossem instâncias distintas e intransponíveis. Mas o discurso pregado pela política é racional, podendo, desde que feito com tal intenção, ser entendido por todos. A política pede a pluralidade de propostas para, sobre elas, empreender-se uma discussão, um debate, e chegar a uma decisão.

A decisão política, dessa forma, é vontade da maioria que representa a coletividade de cidadãos. Rousseau, em O Contrato Social, pensara o cidadão como aquele capaz de tomar as decisões necessárias para o bem comum, encarnando-se como seu próprio interesse. Mas a vida prática pede uma relação mais imediata entre as decisões e os benefícios, como analisou Schumpeter.

Há quem participe conscientemente da política, da palavra humana compartilhada contra a servidão humana, como quem se deixa manobrar. Há quem tenha o livre-arbítrio nas decisões de direção, como quem tenha o destino fatal de ser mais um dentre a vastidão de dirigidos. O assistencialismo, o populismo, e outros “ismos” são relações sociais estabelecidas por conjuntos de idéias que procuram reforçar a tão triste servidão voluntária. Triste, pois se trata da própria servidão humana. O homem entrega-se e se deixa ser governado, renunciando o direito de participar do governo.

O perigo, a própria história mostra, quando se permite o surgimento de ideologias aliadas a um modelo de atividade política centralizada e exercida por um Estado forte e dominador. A semelhança entre Ave César, dos romanos, e Heil Hitler, dos nazistas, não é à toa. A atividade política, não importa a forma pela qual se apresente, seja na esfera institucional ou não, deve ser sempre guardada como uma arma do gênero humano contra a sua própria entrega à servidão.

Publicação: “Jornal O Liberal 02 de Setembro de 2000. Opinião – Atualidades”.

Nenhum comentário: