segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Rebeliões Orquestradas II

Rebeliões Orquestradas II

Jorge Pinheiro

Depois de uma semana da rebelião nos presídios do maior estado do Brasil, temos o número exato de estabelecimentos penais que se rebelaram contra o “status quo”. Foram exatamente 29 casas penais e não as 18 anteriormente admitidas pelo secretário de segurança pública.

O Primeiro Comando da Capital, mais conhecido como PCC ou 15.3.3, finalmente divulgou seu manifesto e logicamente as reivindicações. As reclamações são muito conhecidas do leitor, em síntese os problemas são: condições das prisões, falta de diálogo por parte das direções das casas penais e o não cumprimento da Lei de Execução Penal.

O mais interessante é o “desideratum” da rebelião. Utiliza-se como argumentação, a tentativa por parte do PCC de forçar as autoridades ao diálogo e ao cumprimento da lei.

Os presos não deixam de ter suas razões. A Lei de Execução Penal prevê nos estabelecimentos penais, áreas e serviços destinados a dar ao preso assistência material, educação, trabalho, recreação e pratica esportiva (art. 83).

É no mínimo ilógico. O estado não deu à esta pessoa, quando ainda tinha a liberdade, nenhuma assistência material; não conseguiu em momento algum dar o mínimo de instrução formal, ou seja, o ensino fundamental; se há falta de trabalho para uma grande parcela da população brasileira, imagine dar trabalho para os que se encontram no cárcere e poucos são os brasileiros que tem alguma recreação e uma prática esportiva.

Como podemos exigir do sistema penitenciário o cumprimento da lei, se enquanto Estado, é visível que falhamos com esse cidadão. É fácil trancarmos essas pessoas, e exigirmos que agora, o sistema deve funcionar.

Evandro Lins e Silva, emérito jurisconsulto criminalista, entende que há necessidade da criação de um novo sistema, que atenda o interesse social; enquanto Luiz Flávio Gomes, quase estrela da mesma grandeza, defende uma reforma liberalizante do Código Penal, retirando muitos ilícitos penais para ilícitos administrativos.

É indubitável, que a globalização chegou aos presídios. A mídia incentiva o consumo de artigos eletro-eletrônicos, e como não poderia deixar de ser, os presidiários utilizaram essa tecnologia na rebelião, com o uso de telefones celulares e walk talk.

O governo federal abriu uma verdadeira “guerra cívica” à entrada de telefones celulares nos estabelecimentos. O ministro da Justiça considera a utilização de telefones celulares mais nocivo do que o uso de estorques ou estiletes por parte da população carcerária.

Além disso, promete remeter ao Congresso Nacional um projeto de lei que prevê a perda do direito a liberdade condicional, em caso de uso de telefone celular pelo preso, e as faltas graves poderão aumentar em até dois anos, o tempo para obtenção da liberdade condicional.

Um outro “grande projeto” do governo federal é a adoção de detectores de metais nas casas penais.

Infelizmente, esquece o governo, a alta corrupção que paira sobre o sistema penitenciário paulista. Conforme noticiado na mídia, a entrada de um telefone celular em um presídio custa em média R$ 600,00, um quilo de maconha R$ 250,00, sem contar a possibilidade da entrada também de revólveres, granadas e outras armas.

Os presos encontram-se tão bem organizados e globalizados, a nível de crime organizado, que as contribuições financeiras vão para o caixa 1 (pagamento de advogados, manutenção da família do presidiário) e o caixa 2 (pagamento de ações de risco, como assalto, seqüestro e tráfico de drogas). É uma organização de fazer inveja, a muita associação para fins lícitos.

O leitor talvez não saiba, o Complexo de Carandiru tem 7 mil presos, e no dia de visita a população chega a 11 mil. Com a simples finalidade comparativa, alguns municípios paraenses não chegam a essa população, como por exemplo, Colares, Santarém Novo, Magalhães Barata, Quatipuru, Cachoeira do Piriá, Palestina do Pará, São João do Araguaia, Nova Ipixuna e Piçarra.

Temos conhecimento das grandes dificuldades do sistema penitenciário, porém não se faz política penitenciária com simples projetos de lei, proibindo telefones celulares ou instalando detectores de metais. O que se deseja é uma política pública séria, que retire da ociosidade a população carcerária, através de cursos profissionalizantes como de garçon, eletricista, encanador e outros.

Defendemos que só através do trabalho, o ser humano se sinta mais útil e valorizado, e não uma fera enjaulada, regredindo ao seu estado primitivo.

Publicação: “Jornal O Liberal 01 de Março de 2001. Opinião – Atualidades”

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