segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Morte Precoce

Morte Precoce

Jorge Pinheiro

Enquanto cidadão, e no pleno exercício da cidadania, tão propalada e apregoada com a Constituição da República de 1988, não podemos deixar de constatar um fato que causa indignação.

Um cidadão brasileiro, de 29 anos, corre risco de sofrer a violência de se ver aposentado compulsóriamente, por ter simplesmente agido em defesa do interesse público. Talvez o modus faciendi tenha sido pelos arroubos da sua idade, em virtude de ter denunciado uma correção salarial, que ao seu ver era ilegal ou irregular.

Antes de mais nada, há necessidade do leitor entender o termo compulsória. Nada mais é, do que, uma determinação judicial ou um dispositivo legal que obriga funcionários civis ou militares a aposentadoria ou a reforma. No Brasil, falar em aposentadoria compulsória, temos que nos reportar como ela é intitulada. Popularmente no serviço público é conhecida como “expulsória”, ou seja, a pessoa completa 70 anos e é obrigado a sair do serviço público.

Este cidadão que tem no seu pescoço uma corda, quiça mais grossa do que a do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, cada vez mais apertando, pelo simples fato de acreditar na Justiça. Esta com letra maiúscula, magnânima, imparcial, sem favorecer nem a um nem a outro. Nas Faculdades de Direito sempre estamos à responder as inquietudes dos alunos, em relação a legalidade versus a legitimidade.

É indubitável que a justiça é por excelência uma virtude individual, como pregava Platão, entretanto, é também valor de uma ordem social.

Como vamos ensinar nas Escolas de Direito, e mesmo aos nossos filhos, que a lei é simplesmente uma ficção ou uma teoria, que quando passa para a praxe não funciona, muito pelo contrário, o que existe é a lei do mais forte e em alguns casos, a famosa, porém famigerada “Lei de Gerson”, que ao nosso ver deveria ser extirpada da sociedade brasileira.

Em momento algum podemos concorda com injustiças. É nossa obrigação, enquanto cidadão, bradarmos pela verdade e pela justiça.

Não somos civilistas, pedimos vênia, para tecermos rápidos comentários sobre o assunto morte. No Direito Civil, a morte dar-se-á de maneira natural, logo temos como constatação o atestado de óbito e o outro modo, é a morte presumida, sendo pela ausência ou por acidente, como foi o caso do Ulysses Guimarães, levado pelo mar de Angra dos Reis.

Antigamente no Direito Civil tínhamos a morte civil, destinada ao insolvente ou ao falido. No futebol temos a morte súbita, destinada ao final de uma partida de campeonato.

Apesar de não termos no nosso ordenamento jurídico a morte civil, deseja-se imputar a este jovem, a Morte Precoce, através da aposentadoria compulsória.

Caso seja consumada a aposentadoria, haverá o recebimento de proventos, consequentemente não poderá mais participar da administração direta ou concorrer através de concurso público para um outro cargo.

O leitor talvez esteja estranhando o fato de que na atualidade as pessoas gostariam de se aposentar bem cedo, porém no caso em tela, os proventos seriam proporcionais ao tempo de serviço. Uma pessoa de 29 anos, no caso tenha iniciado a trabalhar com 19 anos, sua aposentadoria seria numa relação de 10/35 avos.

Como podemos extirpar da força laboral, uma pessoa com esta idade, em pleno vigor da sua atividade intelectual, e que temos certeza, muito ainda poderia contribuir para a sociedade brasileira, conforme ficou demonstrado pelo seu gesto corajoso e despojado.

Pelo menos, observamos que alguma coisa está mudando no Brasil. O cidadão está mais determinado para chegar a verdade, não mais se intimida com tanta facilidade, como outrora.

Frases feitas como “o Brasil não tem jeito”, “este não é um país sério” são frase que só nós, enquanto cidadãos, podemos modifica-las.

Terminamos o artigo lembrando uma frase em latim, “tempora mutantur, non est mutamur in illis”, no vernáculo, os tempos mudam, e nós mudamos com eles.

Publicação: “Jornal O Liberal 03 de Outubro de 2000. Opinião – Atualidades”.

Nenhum comentário: