segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Rebeliões Orquestradas

Rebeliões Orquestradas

Jorge Pinheiro

O Brasil assistiu no domingo uma das ações mais bem organizadas e planejadas pela população carcerária do maior estado da federação, fazendo inveja até mesmo aos grandes articuladores de qualquer escola superior de planejamento estratégico.

O estado de São Paulo tem 62 presídios, e conforme informações do secretário de Segurança Pública, 18 casas penais foram tomadas pelos presidiários. Uma semana atrás, os líderes desses estabelecimentos penitenciários foram transferidos para outros cárceres, inclusive para outras unidades da federação, este foi o motivo principal das rebeliões orquestradas.

É interessante observa o poder demonstrado pelos presidiários, principalmente a nível de informações cambiadas. As imagens da televisão mostraram os presos com telefones celulares, walk talk, e bips. Todos esses aparelhos são proibidos nos estabelecimentos penais, porém por mais que haja uma fiscalização, sempre se consegue penetrar nos presídios esses equipamentos.

Essa rebelião foi diferenciada. Não foram vistas as cenas de queima de colchão, depredação das instalações, ameaças incisivas aos agentes penitenciários, fugas em massa, exigências de carros para a fuga, as solicitações das presenças do juiz da execução penal e dos promotores de justiça.

A grande verdade foi a demonstração de poder dos presidiários contra o poder constituído, e além do mais, o planejamento da ação muito bem esquematizada, onde os presos trocaram as suas camisas brancas e calças beges, com as roupas dos agentes prisionais e dos seus familiares, com o intuito de confundir a polícia militar, no caso de invasão da casa penal.

Deve se ressaltado que o grande escudo dos presos era a sua própria família. Em momento algum as visitas dos familiares foram consideradas reféns, muito pelo contrário, participaram ativamente das negociações e não desejavam sair de perto dos seus parentes, talvez prevendo a invasão da casa penal pela Polícia Militar, dando como consequência a morte dos presos.

O que vimos foi o apoio irrestrito dos familiares dos detentos, recusando-se a sair dessas casas penais, logo o sentimento mais forte foi o da sobrevivência dos seus entes queridos.

Os familiares que estavam fora das casas penais demostravam nos seus olhares a preocupação, e tentavam ultrapassar o cordão de isolamento composto por um cordão humano de agentes prisionais e pela Polícia Militar, com a finalidade de saberem notícias de seus familiares.

Os dados oficiais mostrarão poucos mortos e na versão oficial, os próprios presos mataram alguns desafetos e logicamente alguns informantes da direção da casa penal.

A ação policial foi realizada com gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral e algumas balas. É indubitável que esses recursos são utilizados em situações de rebeliões, porém é desagradável vermos presos nus, enfileirados no chão, junto ao muro com a finalidade de serem revistados. Logo vem a nossa mente, a triste lembrança do terror nazista nos campos de concentração.

Todos sabemos da falência do sistema penitenciário, e se ouve a toda hora, que um presídio é um barril de pólvora que a qualquer momento vai explodir.

Não se admite que no terceiro milênio o método usado seja o mesmo da época do descobrimento do Brasil. O leitor talvez estranhe que algumas casas penais alimentam os seus presos através das grades, ou seja, este é alimentado em sua cela, tal e qual os animais do museu Emílio Goeldi, com uma diferença, nessa casa de pesquisa existe até nutricionista.

Um preso falou que os problemas das casas penais são: a tortura, a ociosidade total e o terror constante. Ora, a integridade física do preso deve ser resguardada pelo Estado, a ociosidade tem que ser combatida através do trabalho e o terror não deve ser permitido pelo diretor da casa penal.

Embora a força física seja uma das condições necessárias que o Estado recorre para dirigir a sociedade e para administrar a ordem social, não é ela o suficiente para sustentar um sistema.

A força deve ser usada como meio de influir uma mudança de comportamento de uma pessoa, essa força não é somente a física, a coercitiva, as vezes através de outros instrumentos, como por exemplo o diálogo e o respeito pelos presos, um diretor de uma casa penal pode exercer poder sobre outra pessoa de uma forma positiva.

Muitas vezes, as penitenciárias são simples depósitos de pessoas que não deram certo na sociedade e que tentamos a qualquer custo nos desvencilharmos e não raramente exigimos do Estado o retorno dessas pessoas “ressocializadas” e aptas para o convívio social, o que infelizmente na maioria das vezes é muito difícil.

Acreditamos que somente com a participação efetiva da sociedade civil organizada, propondo e assumindo a sua parcela de colaboração, podemos criar condições efetivas de mudanças no sistema penitenciário.

Publicação: “Jornal O Liberal 20 de fevereiro de 2001. Opinião – Atualidades”.

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